domingo, 25 de setembro de 2011

Podre, Pobre e Rabiscada

Acordo com o celular tocando alto pela terceira vez em quinze minutos, são cinco e meia da manhã. Levanto sonolento e me deparo com olheiras enormes deixando claro que não tenho uma boa noite de sono há algum tempo.
Não durmo bem por vários aspectos, e se me perguntarem algum em especifico não conseguirei sem  que aponte junto os outros motivos.

Trabalhar, estudar... Chego em casa meia noite e quarenta e tenho de me preocupar em como administrar a minha chefe no serviço.
Aceitei esse emprego por desespero, indicado por um amigo de outro setor... um salário idiota... Precisava pagar as contas atrasadas.
Mas hoje é assim, você não trabalha para ganhar seu sustento e sim para aturar pessoas... Você é pago para isso.
Eu poderia, nesses meus vinte sete anos de idade, olhar para as relações que somos obrigados a aturar de uma forma infantil, espiritual.. Pensar que por trás de tudo tem um motivo, mas não consigo. Sou tomado de ódio nesses quatro meses que estou trabalhando junto dessa mulher.


Se ao menos eu tivesse um bom currículo, se ao menos eu tivesse ambições. Mas não, só quero ficar na minha, trabalhar e terminar esse ensino médio que deixei de concluir por viver minha adolescência no mais profundo entorpecimento. E agora essa figura gorda, grande, feia, sem vida que se formou em uma faculdade qualquer, que utiliza sua pequenina posição para suprimir aqueles dos quais é paga para supervisionar.
O que devo a ela?
Bom, sempre tem aqueles que babam, que riem apenas para garantirem certa longevidade, tenho nojo desses caras. Ela os humilha e mesmo assim estão ali.
Eu não devo nada a ela... Só alimento uma raiva toda vez que a olho, raiva essa que vem a tona uma sensação esquisita... Um salivar frenético seguido de um arrepio nas costas... Um calor pelo corpo... Uma vontade de aniquilá-la.

Sigo até o ônibus, lotado, com pessoas se esfregando, livros da Zybia Gasparetto espalhados pelas mãos de pessoas mortas iludidas por uma vida melhor longe daqui... Submissas a tudo, a todos, menos a si mesmas... Acomodadas em seus bancos, ansiosas por um dia rápido e sem imprevistos...
Peões nojentos tentando se esfregar por detrás das moças. É melhor olhar lá fora, carros muitos, cada um com um idiota a dirigi-lo. Estranho. As pessoas socadas aqui dentro estão trabalhando pra poderem estar ali junto a eles, com carros econômicos num tráfego intenso banhado a músicas atóxicas.
Todo o redor é isso, não há uma divisão, há só a extensão entre o que manda e o que obedece... Crenças que mandam e pessoas que obedecem, chefes que mandam e pessoas que obedecem, virtudes que mandam e vícios que obedecem.
Às vezes me pergunto por que larguei a cocaína. Porque não me acabo de vez? Porque agüentar. Devo a mim mesmo um pouco de sanidade? Mas olhando a todos esses idiotas, me sinto mais insano do que quando ficava drogado jogado por aí.
É melhor respirar fundo, relaxar... Estralar os dedos... Preciso de água... Ufa! Cheguei ao meu ponto.
Bato meu cartão, algumas pessoas me desejam um bom dia... Que elas tenham também... Afinal o que seria esse tal bom dia?
Um dia sem que nada fora das “conformidades empresariais” aconteça... Algo que não desabone sua função ou a imagem nossa que tanto defendemos?
Um bom dia é um dia medíocre, médio, igual a essa classe medrosa que morre pelo que tem e vive pelo que não tem...
Sento em minha mesa, ela ainda não chegou... Devo agradecer a Deus?
Trabalhar num setor de RH como auxiliar, separando documentos, Holerites, crachás até que é legal... Arquivar, saber o quanto cada um ganha, quantos anos tem, onde mora, o que faz e no que é formado...
Minha chefa, seus trinta e sete anos, a cinco na empresa, se formou há pouco tempo e foi promovida a supervisora de benefícios. Na sua carteira está como analista sênior, mas sua postura a faz parecer uma aristocrata do Brasil no século XVI, dona de escravos, índios, dona de terras... afff. Que idiotice.
Como ela muda como quando fala comigo e os outros três auxiliares e quando fala com alguém superior a ela. Chega a ser cômico. O tom da voz se altera, fala fino, se preocupa até com o papel higiênico que o tal superior terá de usar, e conosco é esse bicho que mais se assemelha a uma criança dona da brincadeira, dona dos brinquedos.
Ela chegou. Estou arquivando as xérox de um recém admitido aqui no fundo da sala. Ela se aproxima sem dar o tal do bom dia e pergunta se terminei de arquivar as xérox do recém admitido.
Estou terminando. Ela diz que era pra eu já ter executado tal tarefa. Eu a fito nos olhos. Será que você não ouviu o que eu disse? Estou terminando... Ela me olha desconfiada.
Você me respondeu? Olha aqui, ou você faz o que estou mandando ou...
Ou o que?
Agarro firme seu cabelo com minha mão esquerda e seguro com a mão direita o estilete em cima do arquivo de ferro. Rasgo lentamente sua bochecha esquerda, e quando ela ameaça começar gritar eu a derrubo no chão e seguro sua boca. Ela se esperneia, se mexe sem parar e eu coloco lentamente o estilete em seu baço, tiro e enfio três vezes seguidas em sua barriga.  Minha boca saliva muito, minhas costas se arrepiam e sinto que toda vontade de aniquilação se concretizava me extasiando como a droga que deixei de usar. Uma breve substituição.
Ela ali, agonizando, me olhando... Morrendo como sempre morreu. Sigo até sua mesa, pego seu livro de auto ajuda, abaixo e coloco em cima de seu peito dizendo bem baixinho, tome, que na outra dimensão você seja aquilo que você deixa de ser aqui nessa sua vida podre, pobre e rabiscada.

Pessoas dentro do departamento, sangue em minhas mãos...

Fernando da Silva Ribeiro (Sinnentleerten)

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