O que o homem faria se não
carregasse dentro de si a altivez por ser capaz de não se entregar fragilmente
as situações e desagrados que insistem desde o início de sua vida a desatinar
sua existência?
Existe um distanciamento muito
grande entre os ditames morais de uma sociedade e a prática daquilo que se
espera do ser humano frente a tais ditames. Ou seja, a princípio ouvimos e
aprendemos que a humildade é o sentimento mais nobre dentro da esfera cotidiana
terrestre, e que ela serve para uma manutenção cosmológica e ética da
convivência entre os iguais. Porém uma coisa que fica clara, com a experiência
humana de frustrações e erros ao longo das relações afetivas, é que só se pode
ser literalmente humilde aquele que carrega motivos contundentes de não o ser.
Só podemos presenciar um ato de
humildade quando existem fatos e uma esfera consistente e propícia para que a
soberba, a vaidade e orgulho possam delinear as posturas envolvidas a caminhos
contrários da simplicidade e singeleza tão cobradas pelos códigos de conduta
aos quais (in)conscientemente obedecemos.
Uma humildade meramente gratuita,
tão facilmente poetizada por teólogos e pensadores das mais variadas vertentes,
parece não representar a real e concreta dignidade de um ato. Pois dignidade é
uma palavra que ganha corpo e maior significado quando colocada ao lado de
situações de lutas, de situações de riscos, ao lado de situações onde existam
ações e efeitos conflitantes em que o homem é rendido a provas e testes, onde
seu caráter possa ser forçado a questionar-se por dentro da alma a respeito das
reais relevâncias de suas escolhas.
Se abster, fingir que nossa alma
não carrega tendências a um conjunto de impulsos não condizentes com a moral e
as ordens éticas vigentes, é um ato e uma reflexão típica que faz nascer de
maneira infantil das "más consciências" uma noção superficial sobre o
que vem a ser bom ou ruim. Tal noção essa que acredita piamente que a elevação
do espírito humano só pode se concretizar quando não residem em seus
pensamentos energias e instintos; que sabemos (não é segredo pra ninguém),
compõem antropologicamente nossa constituição fisiológica e mental.
Ao homem que não se deixa elevar
de quando em a vez pelo pleno orgulho de suas escolhas, de sua formação
cultural e social, pelo senso de honra no fronte de suas perspectivas e que
simplesmente pensa de forma equivocada no que tange as responsabilidades e
ações dos seres humanos na sociedade, não lhe resta muito além na sua
composição metafísica uma flexão balizada entre ingenuidade cândida, mentiras e
um pífio instinto de alvura. Ou seja, fica-se entregue como alvo as
impertinências da natureza, as maledicências e principalmente pelo seu próprio
vitimismo. Vitimismo tal que se harmoniza muito bem com moralismos torpes e
senso de achar que o mundo gira sempre só em torno de si.
....Só acredito na humildade
daquele que tem bons motivos para não o ser.
Fernando Ribeiro