domingo, 15 de janeiro de 2012

O mendigo e o Velho

Um senhor de idade avistou o mendigo na rua... Sentiu pena daquele homem surrado, sujo e mal cheiroso...   Ocorreu-lhe o ímpeto em ajudar de alguma forma.

Ao olhar o indigente no meio da calçada o velho sentia pena; uma vaga lembrança de sua juventude vinha à tona, recordando dias em que teve fome, medos e furacões.

--- Ei amigo, qual é o seu nome? --- Perguntou o velho.

O mendigo olhou-o sem responder a pergunta.

--- Qual o seu nome senhor? --- Perguntou novamente o velho.

--- Qual o seu nome digo eu meu camarada! --- Disse o mendigo com os olhos baixos.


--- Desculpe, mas só queria saber se o senhor não está precisando de alguma coisa, ou alguma ajuda. --- Disse o velho com olhos presunçosos.

--- Ajuda! Opa! Antes de o senhor me ajudar eu quero saber o que pretende ganhar em troca. --- Retrucou o mendigo veemente.

--- Nada, apenas vejo o senhor em condições ruins e sinto que preciso ajudá-lo.

--- Peraê... Alguma coisa o senhor quer em troca. Será que não é satisfazer seu ego de bom senhor e assim fazer valer a pena o direito de ser um velho cansado e sem vida? --- O mendigo perguntava olhando agora no fundo dos olhos daquele velho desconhecido.

--- Ei senhor mendigo, não seja tão ríspido com as palavras... Eu só estou com pena de o ver nessas condições miseráveis. --- O velho já estava desconfortável pela incompreensão do mendigo para com sua pessoa.

--- A vida inteira o senhor e os outros passaram por aqui e não fizeram nada para mudar as coisas, apenas se preocuparam em fazerem as famas e deitarem nas camas... Agora que o senhor caiu numa real de que sua vida foi mal vivida e mal aproveitada, quer chegar do meu lado como se entendesse alguma coisa do que é rastejar na imundície dos restos que vocês deixam pra nós.

--- Por que toda essa revolta rapaz? O senhor é novo e pode aprender muita coisa, não é necessário cultivar esse rancor.

--- Posso aprender? Posso Aprender o que?! O senhor é como todos os outros pacificadores mentirosos... Você quer que eu aprenda a regozijar, a sorrir e a bendizer as coisas. --- O mendigo já se mostrava insatisfeito com a situação ameaçando virar as costas.

--- Isso mesmo... Eu quero que o senhor cresça mendigo. --- Disse o velho com um sorriso no rosto

--- Crescer... O senhor vai me ensinar a crescer?

--- Isso! Crescer, evoluir, expandir...

--- Expandir? Daqui a pouco você vai querer dizer que preciso aprender a amar também.

--- Também...

--- Faz o seguinte, pegue sua vontade de ajudar o próximo e vá ajudar a si mesmo... O que está faltando em você é um pouco de amor próprio, isso sim.

--- Eu não me amo? Mas é o senhor que está jogado no meio da calçada. --- Disse o velho agora com olhos sarcásticos.

--- Estou sim... Essa é minha realidade meu querido... Mas saiba que se eu o visse caído no chão algum dia, sinceramente eu não teria o mínimo de compaixão... Pois enquanto você está em seu quarto refletindo o que vai comer no jantar, que roupa vai vestir ou o que vai fazer para sentir a vida menos vazia, eu, o mendigo sujo e jogado, estou aqui... Não sei o que é amar, só sei o que é sentir a realidade como ela é e sem satisfazer prazeres medíocres... Matutando, pensando incessantemente como vou fazer para não morrer de fome... Enquanto você pede a Deus uma luz para a felicidade, eu, o mendigo, aceito sem imposições a escuridão... Talvez minha figura seja complexada o bastante para transmitir uma idéia de que sou um homem precisando de carinho, de atenção e de cuidados... Mas saiba que não! Sou o demônio de dia e o íncubos a noite... Sou a última gota de uma chuva de verão que passa e ninguém vê... Sou a revolta camuflada pela estética que só enxerga erros em atos manipuladores... Sou a insanidade sem valor observando a insanidade preciosa... Não preciso de sua compaixão idiota, e muito menos de pernas para me conduzir.

Horrorizado com aquelas palavras, o velho decidiu perguntar:

--- Será que não falta no senhor um pouco de compreensão para com as outras pessoas? O senhor é ríspido demais... Parece não entender o sentido da vida.

--- Olhe em meus olhos... Aqui está um cachorro que foi muito apedrejado... Um cachorro inflamável... Lato para qualquer um que se aproximar, pois por de trás dos meus olhos embaçados está incrustada a raiva... Não nutro sentimentos nobres por vocês, é só raiva... Sou um animal raivoso que ao invés de me rebelar com atitudes, me rebelo com palavras que adentrem em vossas mentes e mostre o quanto vocês são mais sujos do que eu... A classe média velha não me seduz, e eu não faço a mínima questão de entender o sentido que vocês dão para a vida.

--- Fico triste do senhor não ter a capacidade de viver com reflexões mais harmoniosas. --- O velho disse já em tom de desistência.

--- E eu... Ah, fico triste de o senhor ser apenas mais um capaz de se harmonizar mentirosamente e ser mais um que levianamente alivia a mente... Olhando-me como alguém diferente, quando na verdade mostro como um espelho as vossas verdadeiras condições interiores... Seu hipócrita maldito.

E assim se fecharam as cortinas... E a platéia não fez questão de bater palma.


Fernando da Silva Ribeiro (Sinnentleerten)

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