O homem se protege de outro homem, nisso faz as leis para
proteger o que lhe é seu por direito, certo? O ser humano vive entre a linha
tênue que separa o medo e a confiança que admite ter por outro ser humano.
Acontece que quando éramos algo parecido com o Neandertal
aqui na Terra, vivíamos em tribos, atrás de carne, fugindo dos animais que nos
viam como presas, temendo no fundo que a natureza por fim pudesse nos suprimir.

Era a gratuidade da sobrevivência pela sobrevivência, até
que em algum momento tivéssemos certo controle sobre o ambiente que nos rodeava.
E no decorrer do tempo, ao controlar a natureza, ao criarmos ferramentas que
nos oferecesse a possibilidade de nos defender de bichos, começamos a nos sentir menos
tensos e mais seguros para engajar em nossa mente um mecanismo de separação das
coisas que nos fizessem mal das que nos fizessem bem.
Assim o homem foi moldando suas tribos de maneira tal que o individualismo não se sobrepusesse sobre os demais integrantes. Nada que não tenha sido dito na obra Totem e Tabu de Freud.
Os primeiros pais das primeiras tribos tiveram que dar lugar
a uma estrutura mais abrangente a respeito dos interesses do todo que envolvia
a sociedade que se estabelecia.
O medo da natureza que outrora era indiscutivelmente a
prioridade a ser controlada, agora dava lugar as condutas internas daqueles que
viviam dentro da tribo. Tabus foram sendo criados para evitar incestos,
divindades sendo criadas relembrando a figura de antigos anciões, pais, avôs, e
dessa forma dando valor simbólico as novas gerações.
Por isso, muito se discute sobre a sociedade ser ou não ser
um verdadeiro bem na vida do homem, pois ela nos tira de nossa condição
primitiva diante da natureza e nos impõe regras e normas de conduta para com o
próximo. Muitos julgam isso como castração, repressão das nossas vontades mais
sinceras, nossos instintos mais profundos.
Pois bem. Acredito que analisarmos por esse viés sempre nos
dá uma boa base para discutirmos muitos assuntos morais modernos e
contemporâneos, pois nossos vícios e virtudes as vezes estão ligados com
condições de antepassados que acharam maneiras muito mais pragmáticas de lidar
com problemas comportamentais.
É mais do que óbvio que o ser humano adquire seus traumas,
neuroses, problemas de identidade, problemas de depressão na maioria das vezes
por estar submerso a questões sociais de maneira tão líquida e complexa ficando latente que muitos caminhos e cicatrizes são irreparáveis.
Os vícios acompanham o homem desde os primórdios. E com o
passar do tempo fomos nos aprimorando em como fazer com que uma capa cobrisse
aquilo que a maioria das pessoas, a sociedade de um modo geral, tenta explicitamente
virar as costas e não levar em conta, como se não fosse parte integrante de nossa condição humana.
Uma pessoa problemática não era bem vinda a tribo, e não
respeitando as regras, os dogmas, as figuras míticas, estava fadada ao
sacrifício, a expulsão do círculo que por árvore genealógica fazia parte.
Grandes estruturas se ocuparam em desenhar bem os caminhos que seus cidadãos deveriam seguir no devir de suas vidas. Os egípcios deram ordem simbólica para que homens não só obedecessem suas regras básicas de convivência, mas também que se satisfizessem em construir grandes obras da arquitetura num sentido religioso para essas ações. Ou seja, a religião parece ser um programa que serve as estruturas de convívio sob o regime de ordens e símbolos morais que fazem o homem olhar para o fardo de sua vida social com grande valor de sentido.
A Grécia antiga, o Império Romano, por mais integrados que
estivessem em suas leis não conseguiam abrir mão das grandes metáforas e da
mitologia que regiam as rotinas da vida interna e privada. Pois com elas
conseguiam com que os integrantes da sociedade não se sentissem perturbados
pela ausência de nexo da servidão em vossas vidas.
Todas as vezes que vemos na história da humanidade grandes
rebeliões contra ordens vigentes, percebemos que logo vem seguida de processos
de intenso aprofundamento do pensamento religioso. A implantação definitiva do
Cristianismo no ocidente só foi possibilitada pelo definitivo fim do império
Romano. Em meio as instabilidades políticas também o Islamismo veio a tona no
oriente médio.
A religião trás um sentimento de unidade, de segurança
perante a um Deus ou a Deuses que nos protegem daquilo que entendemos como incorreto na vida social.
Na idade média já nos encontrávamos muito avançados em
nossas maneiras de lidar com a natureza. Porém percebe-se que desde as andanças
de Moisés aqui na Terra, passando por Eclesiástes, Jesus, até Agostinho, nossa
maior preocupação foi com a natureza humana. Nunca conseguimos nos livrar
daquilo que representa o “homem desconhecido” em nossa vida.
Uma pessoa ruim, cheia de vícios, pecadora, tomada pela ira,
pela luxúria e sua vaidade sempre representa alguém que devemos tomar cuidado;
é tida como ameaça as ordens locais, uma praga que pode colocar em cheque a
sanidade mental de nossos próximos...
Com o fim dos sistemas monárquicos e absolutistas do poder
tivemos a oportunidade de instaurar regimes democráticos e republicanos guiados
por leis e constituições. Com a tomada do Humanismo pelos interesses em comum começamos
a nos distanciar de uma abordagem religiosa para uma tentativa mais cientifica
de lidar com tais problemas de cerne social.
Porém, é nítido que o homem, independente da era em que
viveu, nunca conseguiu se livrar das instabilidades emocionais. Em nenhuma
sociedade se ouviu falar que o homem se distanciou do sentimento de angústia,
vazio, acídia, agonia. Por mais que numa idealização barata queiramos traçar o
perfil de nós mesmos como seres racionais, desde os primórdios olhamos para a
parte externa de nossa existência permeados de dúvidas, afetos não
correspondidos pelos membros que participaram de nosso crescimento, ressentimentos
para com divergências de posições e opiniões, e principalmente mesmo
inconscientes tementes de uma morte hostil e trágica. Elementos constantes
em registros de profetas, filósofos, cidadãos comuns e teólogos.
As virtudes que construíram a imagem do homem moderno e que é
claramente correspondente a uma ordem Judaico Cristã, teve um aprimoramento com
o Direito moderno e serve como capa para a tentativa de cobrir as imperfeições
humanas. Dessa forma, os vícios vistos pela ordem ética e moral parecem um
hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com
ele convivem.
Porém, se olharmos o vício com certo distanciamento, veremos ele se
assemelhar mais com uma certa necessidade fisiológica básica como: comer, beber,
defecar, urinar. A idealização de um homem que tenha apenas virtudes é uma noção
profética e utópica que não se encaixam numa análise filosófica e psicológica
nos dias de hoje. Pois todas a idealizações que traçamos a respeito do homem,
seja pelo viés religioso ou científico, acabou afinal criando aberrações. Basta
olharmos os fanatismos que conduzem guerras com o apoio da ciência nas instruções tecnológicas dos armamentos.
No decorrer do tempo, os regimes que se instalaram na
administração dos interesses comerciais e sociais do homem, o Estado, foi
gerindo de maneira pragmática os vícios aceitos e não aceitos, além de redigir
leis, também proibindo o acesso a substâncias que na teoria cívica poderiam
servir de suporte ao homem no desestabelecimento das ordens e regras.
Como exemplo; na década de 1920 o Whisky foi proibido no EUA. Era
legalizado, porém após a grande depressão, muitos donos de terras e latifúndios,
comércios, indústrias foram através do desespero em ver seus negócios quebrarem
por uma má gestão do Estado com a intercambiação econômica, consumindo drogas
lícitas porém de maneira exagerada.
Assim, o EUA decidiu proibir o Whisky para que o número de alcoólatras
surgidos dessa situação diminuísse. Quando a economia se restabeleceu, o Whisky
voltou a ser legalizado.
Ou seja, a proibição de uma substância parece ter como ponto
de partida inicial prever o bem estar da maioria. Em segundo lugar olhar os
efeitos fisiológicos que tais substâncias ocasionam no corpo do usuário.
A maconha, como tantas outras drogas, faz mal ao corpo
humano. Aliás, tudo faz mal ao corpo do homem. Um alface nos faz mal,
carne nos faz mal. Viver enfim parece nos fazer mal a medida que o tempo passa
e nos oxidamos cada vez mais.
Porém, quando se fala em legalização ou descriminalização da
maconha, logo nos vem a mente que não se trata de olhar para a droga como
benéfica ou não benéfica ao corpo, mas sim como uma potencial deflagadora de
problemas humanos que não queremos ver.
Ao pensarmos que um maconheiro pode fazer coisas que em sua
sã consciência ele não faria, traça uma linha que separa os que estão a favor ou
contra dessa droga transitando livremente pela sociedade.
Mas, ao analisar um problema
moral de maneira reduzida não percebemos que as vezes o mal na sociedade não é
potencializado apenas por drogas e afins, mas que as drogas são enfim apenas
consequências que aparecem depois que os problemas de viver em sociedade, convivência social que nos
desemboca na procura de anestésicos dessa nossa condição.
Quando ouvimos dizer que a droga faz mal e que nos leva a
fuga, devemos olhar primeiramente para a pessoa que faz esse discurso. Muitas vezes
veremos nele alguém clamando pela coragem do ser humano diante das
adversidades.
Acho justo isso. Porém ingênuo.
Esse discurso não
leva em conta uma série de fatores existenciais.
A coragem não é característica da espécie humana. O homem
desde os primórdios se moldurou numa figura covarde por estar sempre preocupado
em se manter vivo diante dos temores existentes dentro e fora de sua
consciência. E num mundo onde você está exposto o tempo todo a competição
mercadológica, sendo obrigado a entender de assuntos utilitários que possam lhe
trazer estabilidade e rentabilidade no trabalho, cada vez mais vemos a necessidade
das pessoas em usarem substâncias lícitas e ilícitas para anestesiar a condição
de hipocrisia que precisam sustentar diante de sua rotina.
Nossos vícios e abstinências não parecem ser diante da
condição humana nada além de um reflexo do corpo que nunca se acomodou as
cobranças que a sociedade nos faz.
E se o principio do Direito é assegurar o que é nosso por direito.
Penso que passamos por experiências históricas e políticas tamanhas, que enfim chegamos a conclusão de que
nossos vícios também são nossos por direitos. Se diante dos problemas que me
competem encontro prazer no uso de certa substância, não é uma lei que deve
dizer o que posso ou não usar e ainda por cima ser preso por isso.
Se diante de uma análise filosófica um ser humano não
conseguir acreditar em planos religiosos, e no decorrer da vida descrer da
ciência e seu valor na sociedade, seria justo obrigá-lo a pensar o contrário? O
problema talvez esteja na maneira como a maioria encare tal situação. Ao
negarmos nossa condição natural de covardia em prol da ilusão a respeito da
coragem, ao negarmos a ineficiência da hipocrisia como mantenedora da virtude
humana, e ao negarmos que nem a religião, nem o Estado e muito menos a ciência
tem o resultado último a respeito de nossa estadia aqui na Terra e nossas
insuficiências existências ; nós enfim ficamos tentados a coibir a utilização de
substâncias como a maconha.
Mas se olharmos de frente veremos que não há salvação ao ser
humano e suas ranhuras, e mera proibição de uma ou demais substâncias não colocará nos trilhos
uma espécie que há muito tempo encontra problemas para se adaptar a realidade a
qual está exposta. Dessa forma, libera logo essa porra! rs
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