domingo, 28 de setembro de 2014

Vicios, Maconha e Condição Humana

O homem se protege de outro homem, nisso faz as leis para proteger o que lhe é seu por direito, certo? O ser humano vive entre a linha tênue que separa o medo e a confiança que admite ter por outro ser humano.

Acontece que quando éramos algo parecido com o Neandertal aqui na Terra, vivíamos em tribos, atrás de carne, fugindo dos animais que nos viam como presas, temendo no fundo que a natureza por fim pudesse nos suprimir.

A natureza não tinha um ar hospitaleiro. Podíamos viver em paraísos tropicais, com frutas aos montes, mas nada disso nos importava em uma era em que nem o fogo nós dominávamos direito.
Era a gratuidade da sobrevivência pela sobrevivência, até que em algum momento tivéssemos certo controle sobre o ambiente que nos rodeava. E no decorrer do tempo, ao controlar a natureza, ao criarmos ferramentas que nos oferecesse a possibilidade de nos defender de bichos, começamos a nos sentir menos tensos e mais seguros para engajar em nossa mente um mecanismo de separação das coisas que nos fizessem mal das que nos fizessem bem.



Assim o homem foi moldando suas tribos de maneira tal que o individualismo não se sobrepusesse sobre os demais integrantes. Nada que não tenha sido dito na obra Totem e Tabu de Freud.
Os primeiros pais das primeiras tribos tiveram que dar lugar a uma estrutura mais abrangente a respeito dos interesses do todo que envolvia a sociedade que se estabelecia.

O medo da natureza que outrora era indiscutivelmente a prioridade a ser controlada, agora dava lugar as condutas internas daqueles que viviam dentro da tribo. Tabus foram sendo criados para evitar incestos, divindades sendo criadas relembrando a figura de antigos anciões, pais, avôs, e dessa forma dando valor simbólico as novas gerações.

Por isso, muito se discute sobre a sociedade ser ou não ser um verdadeiro bem na vida do homem, pois ela nos tira de nossa condição primitiva diante da natureza e nos impõe regras e normas de conduta para com o próximo. Muitos julgam isso como castração, repressão das nossas vontades mais sinceras, nossos instintos mais profundos.

Pois bem. Acredito que analisarmos por esse viés sempre nos dá uma boa base para discutirmos muitos assuntos morais modernos e contemporâneos, pois nossos vícios e virtudes as vezes estão ligados com condições de antepassados que acharam maneiras muito mais pragmáticas de lidar com problemas comportamentais.

É mais do que óbvio que o ser humano adquire seus traumas, neuroses, problemas de identidade, problemas de depressão na maioria das vezes por estar submerso a questões sociais de maneira tão líquida e complexa ficando latente que muitos caminhos e cicatrizes são irreparáveis.
Os vícios acompanham o homem desde os primórdios. E com o passar do tempo fomos nos aprimorando em como fazer com que uma capa cobrisse aquilo que a maioria das pessoas, a sociedade de um modo geral, tenta explicitamente virar as costas e não levar em conta, como se não fosse parte integrante de nossa condição humana.

Uma pessoa problemática não era bem vinda a tribo, e não respeitando as regras, os dogmas, as figuras míticas, estava fadada ao sacrifício, a expulsão do círculo que por árvore genealógica fazia parte.

Grandes estruturas se ocuparam em desenhar bem os caminhos que seus cidadãos deveriam seguir no devir de suas vidas. Os egípcios deram ordem simbólica para que homens não só obedecessem suas regras básicas de convivência, mas também que se satisfizessem em construir grandes obras  da arquitetura num sentido religioso para essas ações. Ou seja, a religião parece ser um programa que serve as estruturas de convívio sob o regime de ordens e símbolos morais que fazem o homem olhar para o fardo de sua vida social com grande valor de sentido.

A Grécia antiga, o Império Romano, por mais integrados que estivessem em suas leis não conseguiam abrir mão das grandes metáforas e da mitologia que regiam as rotinas da vida interna e privada. Pois com elas conseguiam com que os integrantes da sociedade não se sentissem perturbados pela ausência de nexo da servidão em vossas vidas.

Todas as vezes que vemos na história da humanidade grandes rebeliões contra ordens vigentes, percebemos que logo vem seguida de processos de intenso aprofundamento do pensamento religioso. A implantação definitiva do Cristianismo no ocidente só foi possibilitada pelo definitivo fim do império Romano. Em meio as instabilidades políticas também o Islamismo veio a tona no oriente médio.

A religião trás um sentimento de unidade, de segurança perante a um Deus ou a Deuses que nos protegem daquilo que entendemos como incorreto na vida social.
Na idade média já nos encontrávamos muito avançados em nossas maneiras de lidar com a natureza. Porém percebe-se que desde as andanças de Moisés aqui na Terra, passando por Eclesiástes, Jesus, até Agostinho, nossa maior preocupação foi com a natureza humana. Nunca conseguimos nos livrar daquilo que representa o “homem desconhecido” em nossa vida.
Uma pessoa ruim, cheia de vícios, pecadora, tomada pela ira, pela luxúria e sua vaidade sempre representa alguém que devemos tomar cuidado; é tida como ameaça as ordens locais, uma praga que pode colocar em cheque a sanidade mental de nossos próximos...

Com o fim dos sistemas monárquicos e absolutistas do poder tivemos a oportunidade de instaurar regimes democráticos e republicanos guiados por leis e constituições. Com a tomada do Humanismo pelos interesses em comum começamos a nos distanciar de uma abordagem religiosa para uma tentativa mais cientifica de lidar com tais problemas de cerne social.

Porém, é nítido que o homem, independente da era em que viveu, nunca conseguiu se livrar das instabilidades emocionais. Em nenhuma sociedade se ouviu falar que o homem se distanciou do sentimento de angústia, vazio, acídia, agonia. Por mais que numa idealização barata queiramos traçar o perfil de nós mesmos como seres racionais, desde os primórdios olhamos para a parte externa de nossa existência permeados de dúvidas, afetos não correspondidos pelos membros que participaram de nosso crescimento, ressentimentos para com divergências de posições e opiniões, e principalmente mesmo inconscientes tementes de uma morte hostil e trágica. Elementos constantes em registros de profetas, filósofos, cidadãos comuns e teólogos.

As virtudes que construíram a imagem do homem moderno e que é claramente correspondente a uma ordem Judaico Cristã, teve um aprimoramento com o Direito moderno e serve como capa para a tentativa de cobrir as imperfeições humanas. Dessa forma, os vícios vistos pela ordem ética e moral parecem um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem.

Porém, se olharmos o vício com certo distanciamento, veremos ele se assemelhar mais com uma certa necessidade fisiológica básica como: comer, beber, defecar, urinar. A idealização de um homem que tenha apenas virtudes é uma noção profética e utópica que não se encaixam numa análise filosófica e psicológica nos dias de hoje. Pois todas a idealizações que traçamos a respeito do homem, seja pelo viés religioso ou científico, acabou afinal criando aberrações. Basta olharmos os fanatismos que conduzem guerras com o apoio da ciência nas instruções tecnológicas dos armamentos.

No decorrer do tempo, os regimes que se instalaram na administração dos interesses comerciais e sociais do homem, o Estado, foi gerindo de maneira pragmática os vícios aceitos e não aceitos, além de redigir leis, também proibindo o acesso a substâncias que na teoria cívica poderiam servir de suporte ao homem no desestabelecimento das ordens e regras.
Como exemplo; na década de 1920 o Whisky foi proibido no EUA. Era legalizado, porém após a grande depressão, muitos donos de terras e latifúndios, comércios, indústrias foram através do desespero em ver seus negócios quebrarem por uma má gestão do Estado com a intercambiação econômica, consumindo drogas lícitas porém de maneira exagerada.

Assim, o EUA decidiu proibir o Whisky para que o número de alcoólatras surgidos dessa situação diminuísse. Quando a economia se restabeleceu, o Whisky voltou a ser legalizado.
Ou seja, a proibição de uma substância parece ter como ponto de partida inicial prever o bem estar da maioria. Em segundo lugar olhar os efeitos fisiológicos que tais substâncias ocasionam no corpo do usuário.

A maconha, como tantas outras drogas, faz mal ao corpo humano. Aliás, tudo faz mal ao corpo do homem. Um alface nos faz mal, carne nos faz mal. Viver enfim parece nos fazer mal a medida que o tempo passa e nos oxidamos cada vez mais.
Porém, quando se fala em legalização ou descriminalização da maconha, logo nos vem a mente que não se trata de olhar para a droga como benéfica ou não benéfica ao corpo, mas sim como uma potencial deflagadora de problemas humanos que não queremos ver.

Ao pensarmos que um maconheiro pode fazer coisas que em sua sã consciência ele não faria, traça uma linha que separa os que estão a favor ou contra dessa droga transitando livremente pela sociedade.

Mas, ao analisar um problema moral de maneira reduzida não percebemos que as vezes o mal na sociedade não é potencializado apenas por drogas e afins, mas que as drogas são enfim apenas consequências que aparecem depois que os problemas de viver em sociedade, convivência social que nos desemboca na procura de anestésicos dessa nossa condição.

Quando ouvimos dizer que a droga faz mal e que nos leva a fuga, devemos olhar primeiramente para a pessoa que faz esse discurso. Muitas vezes veremos nele alguém clamando pela coragem do ser humano diante das adversidades.
Acho justo isso. Porém ingênuo.

Esse discurso  não leva em conta uma série de fatores existenciais.
A coragem não é característica da espécie humana. O homem desde os primórdios se moldurou numa figura covarde por estar sempre preocupado em se manter vivo diante dos temores existentes dentro e fora de sua consciência. E num mundo onde você está exposto o tempo todo a competição mercadológica, sendo obrigado a entender de assuntos utilitários que possam lhe trazer estabilidade e rentabilidade no trabalho, cada vez mais vemos a necessidade das pessoas em usarem substâncias lícitas e ilícitas para anestesiar a condição de hipocrisia que precisam sustentar diante de sua rotina.
Nossos vícios e abstinências não parecem ser diante da condição humana nada além de um reflexo do corpo que nunca se acomodou as cobranças que a sociedade nos faz.

E se o principio do Direito é assegurar o que é nosso por direito. Penso que passamos por experiências históricas e políticas tamanhas, que enfim chegamos a conclusão de que nossos vícios também são nossos por direitos. Se diante dos problemas que me competem encontro prazer no uso de certa substância, não é uma lei que deve dizer o que posso ou não usar e ainda por cima ser preso por isso.

Se diante de uma análise filosófica um ser humano não conseguir acreditar em planos religiosos, e no decorrer da vida descrer da ciência e seu valor na sociedade, seria justo obrigá-lo a pensar o contrário? O problema talvez esteja na maneira como a maioria encare tal situação. Ao negarmos nossa condição natural de covardia em prol da ilusão a respeito da coragem, ao negarmos a ineficiência da hipocrisia como mantenedora da virtude humana, e ao negarmos que nem a religião, nem o Estado e muito menos a ciência tem o resultado último a respeito de nossa estadia aqui na Terra e nossas insuficiências existências ; nós enfim ficamos tentados a coibir a utilização de substâncias como a maconha.

Mas se olharmos de frente veremos que não há salvação ao ser humano e suas ranhuras, e mera proibição de uma ou demais substâncias não colocará nos trilhos uma espécie que há muito tempo encontra problemas para se adaptar a realidade a qual está exposta. Dessa forma, libera logo essa porra! rs  

  

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