Ela saiu
atrasada, mal teve tempo de fazer maquiagem e comer algo.
Garoava e
fazia frio, e o trânsito estava intenso. A velocidade dos dias estava fazendo a
vida sempre igual. Trabalho, faculdade... Tudo se repetia com as mesmas
cobranças, os mesmos caminhos, as mesmas alegrias e preocupações.
Independente,
vinte e oito anos e algo estava faltando. Alguma coisa no vácuo dos compromissos incomodava seu reflexo no espelho dos elevadores ultimamente. Não era beleza,
nem problemas de relacionamento com pessoas.
Conforme
todas as revistas famosas que acompanhava, palestras que assistia, filmes e
cultura que absorvia, essa insatisfação diária era tratada como normal para uma
mulher do século XXI. Estar dentro de um ambiente balizado e polarizado em
desejos e satisfações traria conseqüentemente na linha do senso comum certo
grau de desconforto, e isso seria normal.
Era assim
que até então Carla interpretava, não era necessário pensar muito, bastava ser
bem resolvida, sexy e expansiva, pois tudo isso sendo bem feito e organizado
lhe valia benevolências alheia e boa agradabilidade social. O velho medo
feminino de sentir-se reprovada e rejeitada não era até então um demônio presente
que acompanhava seus dias.
Chegou,
pediu um cappuccino, ligou seu notebook, imprimiu um relatório e seguiu
rapidamente para a sala de reuniões onde outros colegas lhe esperavam. Aquilo
não era problema, lidava bem com a rotina profissional; sempre simpática e
técnica conseguia resolver equações e criar soluções com facilidade tamanha
atraindo admiração na empresa onde executava um cargo gerencial.
Uma hora de
reunião e todos estavam satisfeitos. Elogios e tapinhas nas costas estavam
consolidados, garantidos.
No almoço
alguma coisa leve, uma dieta balanceada... Não sabia bem o porquê de estar
dentro de um regime alimentar, mas seguia a risca, na academia era bem vista
pelos instrutores com seu belo corpo e sua lealdade aos horários.
Suas noites
eram com os amigos, os finais de semanas bem aproveitados, muitas viagens, muitos
passeios.
Não havia muitas
outras coisas a se desejar, materialmente sua vida parecia bem resolvida.
Qualquer um invejava uma mulher como ela, morena de cabelos lisos, olhos
castanhos, pele clara como a neve cheia de conquistas, charmes e estilo que por
onde passava despertava os olhares masculinos.
É lógico
que despertava muito mais interesse de invejosas que não tinham aquele pecado
escancarado em beleza, dinheiro e atitude. Muito se esperava dela, muito se
cobrava dela, se sabia que com ela as coisas andavam, aconteciam. Sua presença
era a ação em pessoa.
Mas no
silêncio de seu quarto alguma coisa sempre vinha incomodar...
Era noiva
em um relacionamento de cinco anos com uma interação estável, amigável e
fiel... Com planos de casamento, de se ter filhos... As coisas estavam
bem encaminhadas. Mas o incômodo a cada dia tomava um espaço mais bem definido
em suas noites. Primeiro era fácil... Assistir televisão quando a insônia
aparecesse foi uma solução imediata, mas no decorrer dos últimos dias percebia
que as colorações de tudo estavam começando a se desfazer.
Era muito
fácil para ela dar conta de tudo. A praticidade em lidar com sua vida lhe
trazia certa sensação no fim das contas de que os riscos não existiam para si
de forma consistente, e que uma vida sem riscos era uma vida sem emoções claras
e verdadeiras. Onde estariam as culpas, os dramas, as tramas que via nos filmes
e nas peças de teatro?
A servidão
de seu noivo frente os caprichos e valores da “cidade” foi algo que em primeiro
momento chamou sua atenção positivamente, foi até um dos motivos pelos quais se
atraiu por ele. Um bom exemplo a se apresentar aos pais, família e amigos...
Mas a falta de incômodo e a inalternância de humor daquele homem estava
sendo observada diferentemente por ela agora, por outro prisma onde tudo que
parecia acomodação lhe incomodava e a levava a sentir asco, náusea.
Era
estranho, percebia a desassociação de suas particularidades antes bem
resolvidas, e que agora em noites solitárias começava a pensar em como tudo
pudera ser tão simples, tão pragmático... Tudo muito superficial.
Certo dia
acordou numa manhã de fim de semana, eram sete horas e lá fora o sol estava
brilhante. Mas um grande peso sobre seus ombros a fazia sentir a gravidade de
sua massa corpórea mais sensivelmente. Olhou na mesa de jantar uma cesta de flores.
Lembrou-se da noite anterior em que recebera elas no trabalho. Todos viram e a
parabenizaram naquele momento. Era o pedido de casamento. Sim, o pedido de
casamento definitivo que seu noivo planejara fazer da forma mais especial que
sua cabecinha de bom rapaz poderia planejar.
Na hora ela
não foi capaz de chorar. Ela que sempre fora emotiva e sensível naquele momento
simplesmente não fora capaz de sentir nada. Com desgosto nos olhos leu o
bilhete em voz baixa.
Depois
daquele dissabor que não sabia muito bem a origem foi enfim para casa, olhou
seu celular com vinte e cinco ligações perdidas. Não as atendeu, sabia que eram
das mesmas pessoas de sempre, seus pais, irmãos, amigos e noivo.
Deitou e
dormiu com a mesma roupa que carregava no corpo. Sonhou... E em seu sonho havia
flores e árvores, frutas coloridas, arcos Iris que no fim perdiam vida caindo
ao chão dando lugar ao negro noturno. Um sonho simples que se sucedia em
slow-motion... Ao olhar as flores na mesa pôde então perceber que aquele incômodo
que a visitara nos últimos tempos foi então capaz de borrar a verdade das
coisas que mais dava crédito. Sim, foi capaz de borrar as formas daquele amor
tão invejado pelos outros, de suas relações tão firmadas em valores alegres e
felizes.
Saiu na
sacada de seu apartamento que se situava no sétimo andar de um prédio no bairro
do Itaim Bibi, tentou respirar um pouco mais fundo a procura de tempero que
pudesse sazonar seu humor. Era nítido a impossibilidade de remontar as coisas
como eram. Seu interesse pelo trabalho e pelas banalidades comuns já não era o mesmo. Não havia mais sentido. Tudo era muito explicado, muito certo, assim
como era a concreticidade das contas para pagar que chegam todo mês as casas sabendo
os endereços de cor.
Decidiu que
esse fim de semana não sairia, não veria ninguém e que pensaria com mais afinco
nas emoções alteradas que estava sentindo. Tentaria reajustar suas prioridades
e voltar a ser aquela mulher de antes, comprometida e certa das coisas como
sempre fora.
E foi assim
que tentou fazer. Pensou, ouviu músicas, leu coisas relacionadas à astrologia e
psicanálise na internet, achou algumas respostas, mas que não se encaixavam
muito bem a sua condição, mas era o que podia pescar do mundo no momento. Ali
ela começava finalmente a perceber que o mundo só é o mundo quando não
precisamos dele necessariamente, pois quando necessitamos um pouco mais ele nos
abandona. Abandona-nos em nossa solidão, em nossas angústias, fadados a nutrir
em nós mesmos maneiras de arrumar aquilo que ninguém mais poderia fazer por nós.
Será que as
pessoas gostariam dela agora? Agora que não conseguia mais estampar o sorriso
no rosto, alguém a reconheceria como a mulher de antes?
Não! Chegou
à conclusão de que não iriam gostar e não reconheceriam nela alguém merecedor
de suas conquistas e vitórias. Esse medo que sentia da reprovação era o que
mais assustava no meio disso tudo.
Foi nessa
hora que percebeu não ter amigos... Colegas próximos sim, mas amigos não... Não
seria capaz de se abrir com ninguém, expor sua nova condição, seu desprazer perante
as relações mesmo sendo alguém cheia de conquistas e premiações; conquistas e
premiações tais tão buscadas por todos que a rodeava.
De repente
não mais se via mãe, nem esposa... Não se via mais ao lado de seu noivo mesmo
sendo um homem tão bom para ela e tão querido por todos. De repente não se via
mais cheia de objetivos e sonhos...
Dormiu o
sábado inteiro em profunda letargia, e no domingo de tarde saiu a pé andando
pelas ruas da zona sul, seguia sem rumo... Parava em alguns viadutos observando
o trânsito ao redor, as pessoas em seus caminhos, seus lazeres, programas e
trabalhos. Via a distância que existia entre os vendedores de artesanato e os
compradores que simplesmente viviam seu entretenimento naquele momento. Parecia
que as relações eram moldadas, que havia interesses invisíveis por trás das
trocas, por trás das palavras... Por trás do dinheiro.
Alguns homens
chegaram a mexer com ela dizendo malícias, mas seu abismo não a deixou ouvir...
O que poderia vir depois? O que faria dessa forma? Como iria trabalhar? Dar
continuidade em seus estudos? Era uma doença? Alguma disfunção psicológica?
Muitas questões pairavam sobre sua cabeça sem respostas.
Lembrava
então de algo que sua avó falara quando ainda era nova. Dizia certa vez que,
existia muito mais por trás do coração de uma mulher do que há por trás de
estrelas ascendentes. Nunca entendera muito bem essas palavras, mas de alguma
forma conseguiu perceber o quão próximo isso conflitava com sua metafísica hoje
tão abalada.
De frente
para uma praça movimentada colocou as mãos no bolso em busca do celular, então
percebeu que não o levara junto de si quando saiu. Afinal não achou problema,
não queria falar com ninguém. Devia ser umas duas e meia da tarde e tinha ainda
bastante tempo pela frente. Se não estivesse disposta no dia seguinte não iria
trabalhar, era só avisar que não estava bem de saúde.
Andou mais
um pouco e se interessou por um sebo que vendia livros antigos na região da Ana
Rosa; entrou... Sapeou pelos corredores, o lugar era grande. Então perguntou a
um moço que mexia em algumas revistas se ele sabia onde estavam os livros de
Jane Austen. Era uma autora muito presente em seus primeiros anos na faculdade
de gestão em Rh. Ele a direcionou e aproveitou dizendo que gostava de Jane
Austen, que tinha lido uns dois livros e assistido alguns filmes que foram
adaptados.
Assim ela o
olhou nos olhos, percebeu que aquilo era um pretexto para um inicio de assunto
e respondeu: “Legal”. Seguiu secamente para o corredor indicado dizendo
obrigada.
--- Você é
sempre assim?
Ela olhou
para trás e novamente aquele moço estava falando com ela. Meio perdida, concluiu
em sua problemática que aquele homem com cara de garoto parecia muito atirado.
--- Não,
não sou assim... Mas afinal o que você quer dizer com “assim”? --- Perguntou
confusa.
--- Sei lá,
você me perguntou onde ficavam os livros da Jane Austen, e simplesmente saiu
andando.
--- Eu não
saí andando, eu disse obrigada e segui meu caminho. --- Respondeu Carla em tom
irônico --- Olha, eu não estou muito bem, pode me deixar quietinha por
gentileza?
--- Eu
posso te deixar quietinha moça, mas poderia ao menos dizer seu nome? Seria o
mínimo.
--- Carla,
meu nome é Carla, está bem agora? Ficou satisfeito?
--- Hum,
então Carla, o que trás você ao meu estabelecimento numa tarde monótona de
domingo?
Ela se
espantou, aquele semblante jovem não podia ser de um dono de sebo que vendia
livros.
--- Seu
estabelecimento? Nossa! Desculpe, não sabia que você era o dono.
--- Quer
dizer então que se eu não fosse o dono não receberia as desculpas? --- Com um
sorriso no canto da boca o insistente rapaz conseguiu finalmente atrair a
atenção de Carla.
Sem jeito
ela disse --- Não, não! Ai me desculpe, mas é que hoje não estou mesmo num bom
dia.
--- Tudo
bem Carla, eu só estava tentando ser solicito com uma cliente.
--- Eu
entendo, acabei sendo injusta... Poxa qual é o seu nome? --- Ela perguntou para
amenizar a falta de jeito.
--- Carlos
--- deu risada --- Que coincidência não é mesmo?
---
Bastante --- Carla disse sorrindo --- Olha Carlos, obrigada pela informação e
desculpe minha má educação.
---
Aceitarei sem nenhum problema, estamos fechando a loja em dez minutos ---
aproveitando perguntou --- E você está sozinha? Poderíamos consertar isso com
um café na padaria da esquina, o que acha? Está com muita pressa?
--- Acho
que não seria uma boa idéia, uma companhia como a minha não seria das mais
agradáveis, só eu sei a chata que estou hoje.
--- Não tem
problema, não estou interessado se você é chata ou não --- risos --- Então,
vamos?
Carla
pensou um pouco, aquilo era bem confuso, sua mente estava em outros lugares, em
outras situações e simplesmente um cara estranho estava querendo tomar um
café... Mas alguma coisa lhe fez aceitar e logo respondeu --- Vamos então, te
devo o pagamento de minhas desculpas --- Disse com um sorriso amarelo --- Vou
te esperar lá fora, na hora que você sair me cutuque, pois sou ruim para
guardar fisionomias.
--- Ok, sem
problemas --- Carlos seguiu seu rumo.
Assim,
enquanto ela escolhia um livro para levar ele preparava para fechar.
Já fora da
loja, na calçada quando se encontraram ele observou o livro que ela escolhera e
perguntou:
---
Persuasão é uma obra dela que não li.
--- Eu
também não. Achei o nome atrativo.
---
Entendi.
Sentaram-se
numa mesa na calçada da padaria, ele pediu os cafés e se entreolharam por um
instante. Um silêncio de mais ou menos dez segundos foi o suficiente para que
de repente a mão de Carla suasse um bocado. Sentiu nervoso, não sabia o porquê,
talvez por estar ali conversando com um cara estranho, dono de um sebo e que
inventara uma desculpa esfarrapada para conseguir aquele momento ao lado dela.
Uma situação muito fora de contexto dentro de um momento muito mais fora de
contexto ainda qual era o que ela estava vivenciando.
---
Então... Por que disse que está num mal dia? --- O rapaz questionou.
--- Ah, é
uma longa história... Só acordei de mal humor.
---
Entendi, são coisas de adulto né. Dá até saudade de nossa adolescência quando
nos sentimos assim. Você não sente? --- Carlos parecia bastante familiarizado
com o local.
--- Até
que não sinto não, minha adolescência foi um pouco complicada. Passei por situações
que me obrigaram a amadurecer antes do tempo. Sinceramente prefiro minha vida hoje
--- Observava os olhos de Carlos, castanhos, fechados... Um olhar malicioso.
---
Nossa... Senti uma lembrança ácida, é isso? Não curte falar dessa época né?
---
Então, não é que eu não goste de falar, mas é que não tem nada de bom para
falar dessa época.
---
Entendi. É tão ruim assim?
--- Não é
tão ruim. Foi complicado, apenas isso ---- Carla tentou mudar o rumo da
conversa --- E você, está num bom dia?
--- Só sou
um pouco bravo. --- Mais uma vez um sorriso no canto dos lábios se fez presente
no rosto de Carlos.
--- Bravo?!
--- Isso,
um pouco bravo.
--- Tenho
medo de gente brava, eu choro hein. --- A principio ela não parecia muito
confortável com aquilo. Um domingo diferente dos quais estava acostumada, onde
ficava com seus amigos e parentes conversando trivialidades. Mas Carlos estava longe do
que poderia chamar normalmente de boa companhia.
O garçom
trouxe os cafés e a conversa teve uma pequena pausa.
--- Não
diria bravo. Diria niilista --- Disse Carlos com a mão direita sob o queixo e a
esquerda mexendo o açúcar no café; olhou-a e perguntou --- Soa mais leve dessa
forma?
--- Não.
--- Bom. Então
talvez não tenha jeito de suavizar minha personalidade nem escolhendo as
palavras mais adequadas.
--- Mas
niislista não é uma palavra muito adequada --- Afirmou Carla.
--- Depende
muito do grau de chatice de quem ouve --- Deram risadas juntos nessa hora.
--- Bom. Eu
estou chata hoje. Acho que estamos empatados.
--- É,
parece ser chata mesmo.
---
Na verdade sou muito. --- Os gestos das mãos de Carla formaram um circulo para
dar significância ao tamanho de sua chatice.
--- Chata
com o que? Diga-me, estou curioso.
--- Sou um
pouco impaciente, um pouco exigente. --- Deu uma pausa --- Gosto das coisas
certas, detesto coisas erradas e sou meio quadrada também.
--- Na
verdade você usou a palavra “chata” para encobrir uma série de valores que você
enxerga que tem.
--- Não sei
se são valores, mas são sempre meio que criticados pelas pessoas que fazem
parte do meu convívio.
Carlos
refletiu um bocado, deu um gole em seu café e tentou substancializar mais a
conversa.
--- Se são
coisas que você preza, então são valores. Mas esse negócio de coisas certas e coisas
erradas são muito relativos, varia muito de pessoa para pessoa. E quando
tentamos dizer ou impor aquilo que julgamos como certo, é óbvio que acabamos
encontrando certos conflitos.
Carla
refletiu e logo respondeu.
--- Ah! Mas
não imponho nada aos outros, eu simplesmente não faço. Só isso.
--- Não faz
o que? --- Carlos indagou.
--- As
coisas que considero erradas ou pouco saudáveis. Mas não critico quem faz.
--- Tipo
drogas, vícios e atitudes? --- Carlos olhava nos olhos dispersos de Carla.
--- Sim.
Isso mesmo.
--- Então você
não é uma pessoa muito empírica né?
--- De
certa forma até que sou com relacionamentos interpessoais, mas para
outras coisas tenho minhas próprias convicções e na maioria das vezes eu
aprendi com os erros de pessoas próximas...
--- Você é
uma, poderíamos dizer, hmmm, “politicamente correta”?
--- Não
diria politicamente correta... Mas tenho meus preceitos bem definidos.
Mais uns
segundos de silêncio se fez no momento em que o garçom chegou para retirar as
xícaras. Ao final, Carlos continuou a troca de idéias.
--- Não
acredito muito nesse papo de aprender com os erros dos próximos. Às vezes, o
próximo diante de uma dificuldade foi fraco e nos passa certa imagem de que a
experiência em si foi ruim, porém pode ser que outra pessoa no lugar daquele
que enfrentou tal dificuldade consiga sair-se melhor e nem sentir aquilo como
mal, mas sim como aprendizado ou coisa do tipo.
Ela estava
achando estranho um rapaz com aparência tão nova ter frases tão bem
construídas, conseguindo fazer com que até esquecesse um pouco do drama ao qual
estava passando nos últimos dias.
--- Sim
Carlos, só que tem coisas que a meu ver são muito obvias no sentido de que se
eu não me ponderar no fim poderá dar algo errado. E quando tenho esse
sentimento em relação a algo, eu não faço. Simples assim --- No fim deu um
sorriso piscando o olho esquerdo.
--- E você
enxerga isso como virtude de sua parte?
--- Não
sei, é difícil falar... Sou assim, é da minha personalidade. Aprendi e decidi o
que é bom e o que é ruim pra mim.
--- Hum,
entendi... Tipo assim, eu que sou homossexual, sei o que é bom ou ruim pra mim?
Em meio a risos
Carla respondeu --- Mais ou menos isso. Mas acho que você não tem cara de
homossexual, mas sim de pegadorzinho barato de mulheres fáceis.
--- E agora
que você sabe que sou homossexual, muda sua perspectiva sobre a minha pessoa?
--- Não,
continuo achando que você tem cara de pegador.
Aquela
conversa realmente estava fazendo a cabeça de Carla trabalhar melhor do que até
pouco antes de entrar naquele estabelecimento onde trabalhava Carlos. Talvez se
tivesse num momento normal de sua vida, em sua rotina fugaz e delineada, com
certeza não estaria ali, nem sequer daria trela a alguém que simplesmente lhe
ofereceu um café. Mas tudo se juntou, seus questionamentos sobre sua vida
unindo-se com seu deslocamento perante
aos ambientes tanto nas ruas, trabalho e em casa... E de repente aquela
conversa era a melhor coisa que poderia estar acontecendo.
--- Nossa! Realmente
você é convicta das coisas. --- Carlos parecia não cansar de caçar ainda mais
palavras para que aquela conversa não acabasse.
--- Mas ter
cara não significa que você é. Já ouviu falar que nem tudo o que parece é? E
acho que você não parece gay.
--- Não
pareço gay, pareço pegador com cara de safado. É isso? --- Carlos disfarçou
palhaçadamente uma carinha de triste.
--- É, é
isso mesmo!
--- E se eu
for um pegador com cara de safado realmente? Você teria preconceito em fazer
amizade comigo?
--- Nenhum,
por mim tudo bem, continuaria sendo sua amiga. --- Carla terminou a frase
rindo.
--- Hum,
menos mal, achei que iria me abandonar.
--- Jamais
abandonaria alguém simplesmente por achar que é alguma coisa, não sou nada preconceituosa.
--- Sei, vou
fingir que acredito que não toma atitudes parciais por pensar certas coisas de
certas pessoas.
--- Pode
acreditar Carlos, nisso eu sou íntegra.
--- Mas acho
que tudo no fim das contas acaba dependendo dos interesses, não é mesmo? --- O
olhar do rapaz desafiava Carla, se via provocada a pensar, refletir, a calcular
suas respostas.
--- Ah sim,
agora você tocou num ponto importante.
--- E
porque é um ponto importante?
--- Porque
se você for o pegador que eu preconceituo que você seja e estiver querendo me
pegar, pode ter certeza que não vai ter nenhuma chance --- Em meio a risadas
ela ainda completou --- mas poderemos ser amigos.
Com o braço
direito apoiado na mesa e a mão esquerda mexendo no paliteiro, Carlos absorveu
aquele comentário com um olhar sério --- Está vendo porque é bom ser
homossexual.
--- Pelo
menos não tem riscos --- Carla sentiu que tinha conseguido desestabilizar as
intenções de Carlos.
--- Eu não
ligo de correr riscos. O grande problema é só as contradições.
--- Entendi
--- Ela respondeu mesmo sem ter entendido realmente a colocação.
---
Entendeu nada. Olha só “Senhorita Não Preconceituosa” – Carlos se expressava
com voz baixa e firme --- Você está aí achando que posso ser um pegador barato
querendo te pegar ou querendo ser simplesmente seu amigo, toda cheia de
convicções, preocupada em mostrar a mim que não terei chances contigo se
tratá-la como um mero objeto. E de repente posso ser um simples poeta perdido
no caos do espaço social fazendo poesia de tudo que eu vivo, penso e imagino,
buscando em uma conversa simples vivenciar o poder da linguagem, das idéias sem
nenhuma pretensão maior do que o benefício do diálogo, do experimento.
--- Mas eu
não acho que você quer me pegar! --- Carla agora se via desconcertada ---
Acredito em amizades entre homem e mulher, não sou tão prepotente a tal ponto
de achar que qualquer cara que me fala oi pode estar afim de mim. Se eu achasse
isso já nem falava com você.
Ela deu uma
pausa, viu a hora no relógio dentro da padaria e voltando os olhos no semblante
de Carlos, disse --- Isso que você falou por último foi profundo.
--- Você
achou profundo? Saiba que esse é meu pensamento por trás da carcaça de
“pegador”. E não deixo qualquer um ter acesso facilmente. E olha, sei que você
sabe um monte de coisas, porém eu sei também como é difícil para ti ver que
homens se aproximam simplesmente por banalidade casual e por interesses
machistas, muitas vezes vazios...
--- Sou
privilegiada então, é isso? --- Carla mergulhava nas palavras que ele dizia,
sentia profundidade e gostava daquele momento. Não sabia se ele era profundo ou
se ela estava propensa a sentir as circunstâncias com mais intensidade --- Sim,
noventa por cento dos homens se aproximam por isso mesmo. Mas ainda acredito que
alguns homens possam querer ser meus amigos simplesmente...
--- Não sei
se eu diria privilegiada, algumas pessoas sabem que existe algo por trás dessa
carcacinha feia aqui --- O sorriso no canto dos lábios de Carlos era
inconscientemente a marca da qual fazia Carla vê-lo mesmo com tanta sabedoria
como um mero galanteador de quinta --- Lógico que muitos querem ser seu amigo,
mas é perceptível já logo de cara que você fica numa certa defensiva, ou seja,
acredita em amizade, mas já tem idéia do quão movido por interesses são os
homens, e isso é engraçado..
--- Bom,
então eu hoje faço parte de algumas pessoas que sabem que tem algo por trás
dessa carcacinha e isso eu considero com sendo algo relativamente bom --- No meio dessa frase
ela o olhou nos olhos e arriscou responder com seriedade --- Sim, sou um pouco
desconfiada, mas é porque já quebrei muito a cara com os seres humanos.
--- Digamos
que você não sabe ainda muita coisa sobre mim, a não ser que você tenha alguma
habilidade psicanalítica ou algo parecido. Mas você é alguém que sinto não
precisar me esconder por trás da carcaça, não vejo motivo pra isso --- Ele
levantou a mão para chamar novamente o garçom, e continuou --- Acho que todos
quebramos a cara com os seres humanos em certo momento da vida, uns ficam
mais traumatizados e outros em contrapartida mais fortes, é relativo. E você
parece bastante desconfiada realmente. Mas forte, eu ainda não sei.
--- Realmente
não sei quase nada a seu respeito, mas acho bom que você se sinta assim a meu
respeito --- Nesse momento o garçom chegou para atender ao chamado de Carlos
que solicitou o cardápio, na saída do homem Carla continuou --- E é que verdade
podemos ficar traumatizados ou fortes, e acho que comigo acabou sendo um
misto dos dois. Eu fiquei mais forte, mas também mais desconfiada --- Com uma
leve risada completou --- Eu tento ser forte...
--- Às
vezes para uma mulher não é necessário ser forte o tempo todo, pois acaba
perdendo aquele brilho da fragilidade.
O garçom
chegou com o cardápio e Carlos pediu uma empada de palmito, Carla disse que
estava sem fome e que só iria querer um suco de manga.
Enquanto o
garçom retirava a carta ela olhava Carlos, um cara com pinta de garoto aparentando
estar habituado àquele tipo de situação e apresentando habilidade em colher
informações com facilidade, seus gestos eram de um homem maduro e suas
percepções sólidas, mas algo no seu olhar indicava sarcasmo, a fazia ter dúvida
sobre sua personalidade. Ela tentava tirar alguma conclusão com sua formação em
gestão de Rh observando os trejeitos, mas o movimento de seu corpo só delineava
verdade, firmeza e sustentação em tudo o que falava e perguntava. O único
mistério naquele rapaz realmente se encontrava em seu olhar.
--- Porque
que é bom que eu me sinta confortável diante de você? --- Carlos voltou um
pouco no assunto de antes --- Você se diz tão perto da fragilidade tentando ser
forte.
--- Também não
sou tão frágil assim, é que quando falamos de nós mesmos damos ênfase às coisas
com mais notoriedade --- Deu uma pequena pausa --- E sei lá, só é bom saber que
alguém que nem conheço direito me acha... Digamos... Confiável.
--- Não é
tão frágil? Hum... Não sei hein --- Mais uma vez aquele sorriso confundia Carla
--- Você se sente uma mulher confiável?
--- Sim, me
sinto. Pelo menos nunca decepcionei ninguém nesse sentido. Tenho uma
convicção que é a de que se for para alguém ser magoado, que este alguém
seja eu... Melhor que me magoem... Pois se eu magoar alguém nunca conseguiria
me perdoar... Às vezes é mais fácil perdoar os outros do que a nós mesmos.
--- Que dó
--- Carlos riu daquele mar de culpas ingênuas --- Mas vai! Por trás de todo mar
de fragilidade e sensibilidade de uma mulher existe certa quantia de
maldade... Ou não?
--- Pode até
ser, mas a maldade mesmo sendo intrínseca a gente tem que saber doutrinar.
--- Mas olha
que tem mulher que pega gosto pela coisa... Ficam maldosinhas inatas
--- Parece
bem entendido quando o assunto é mulher --- Ela olhou-o com afinco --- Mas ter
um pouco de maldade nos pensamentos e ser maldosa é bem diferente.
O garçom
serviu a empada e o suco enquanto Carlos olhava a hora no celular. Parecia não
ter pressa de nada.
--- Desejar
alguém em pensamento não é pecado ou só será se eu disser a quem eu desejo? ---
Perguntou de uma forma repentina que assustou Carla.
--- Acho que
sim --- Ela colocou a franja negra atrás das orelhas, pensou um pouco e disse
--- A questão é que tem coisas que são instintivas do ser humano, não tem
jeito, pois somos animais afinal. Mas em contrapartida somos racionais
justamente para podermos controlar nossos impulsos e vigiar nossos pensamentos.
--- Olha
só --- Carlos deu uma mordida em sua empada, mastigou, saboreou e olhando para
o toldo marrom em cima de suas cabeças disse --- Refrear o desejo e a vontade que consome fazendo-nos arder em chamas,
que nos faz dormir e sonhar com os cabelos, o cheiro, a voz... Tipo... Reprimir
por essa perspectiva parece uma tarefa difícil dependendo da situação, não é?
--- Mas aí
você já não está falando de um simples desejo. Você está se referindo a algo
mais profundo, e isso acho que o ser humano ainda não aprendeu a controlar felizmente,
pois no fim das contas isso dá um gosto especial pra vida! --- Ao fim dessa
frase Carla percebeu que se exaltou um pouco em sua afirmação. Mas Carlos
parecia cada vez mais dentro do assunto, interessado pelas respostas e opiniões
que ela carregava dentro de si. Nunca antes alguém havia parado para pescar as
coisas dentro de seu mundo, talvez por ser tão independente e ativa acabasse afastando
os outros para mais distante de si. Talvez os outros e até mesmo seu noivo
sentissem medo afinal, e isso era algo que Carlos parecia não sentir. E ela não
se sentia intimidada com ele, sentia-se até incitada a pensar e formular
respostas que dessem forma real àquele debate casual que começara sem nenhum
compromisso.
--- Você seria
capaz de separar um simples desejo de outro complexo e profundo? --- Carlos
mais uma vez indagou repentinamente.
--- Sim... Pelo
menos acho que sim --- A forma como Carlos perguntava a fazia responder que
achava certas coisas que em outras situações com certeza afirmaria sem refugos
--- Pois um simples desejo é passageiro, momento... Pele --- Disse “pele” quase
a sussurrar --- Mas uma coisa mais profunda faz você ver detalhes, pensar... Faz
o coração bater... A mão ficar fria... Dá um aperto estranho no peito e uma
saudade quando se está longe, não vai embora da gente tão facilmente existindo
toda uma sintonia que nos faz querer estar perto apenas...
--- Hum ---
Carlos soltou esse som mastigando o último pedaço de sua empada que parecia
realmente bem saborosa.
--- Como
assim? – Carla não se contentou em falar tudo o que disse e Carlos simplesmente
dizer “hum”.
--- Estou
refletindo sobre a profundidade do que você disse, só isso.
--- Mas não
foi profundo, é só o que eu penso.
--- Mas só
existe profundidade porque é um pensamento.
---
Concordo com você --- Ela terminou de tomar seu suco de manga olhando no fundo
do copo.
A tarde
estava quase terminando, o relógio da padaria apontava cinco e meia. Carla não
tinha compromisso, ou melhor, ela não fazia questão de nenhum compromisso. Fatigada
com toda a rotina normativa de sua vida, todas as coisas agora pareciam fúteis
e vazias. Estar ali conversando com Carlos não lhe incomodava nem um pouco como
quando na terça-feira incomodou-se ao jantar com seu noivo. Todo aquele papo de
empresa, de planejamento de viagens e futuro, tudo parecia fácil e sem
complexidades ao lado dele e isso parecia algo muito ruim. Seu noivo não a
conhecia, não mensurava seus medos, suas verdades e mentiras e muito menos seus
limites. Refletia facilmente agora, percebia que desdenhava tudo o que era
antigo e pré moldado. E o papo que ali levava naquela padaria dava mais ênfase
a sua revolta interna. Carlos mesmo sendo alguém muito mais novo que seu noivo
a fazia imaginar e falar coisas que ao lado de outras pessoas não conseguiria e
não teria sequer indícios de começar a expressar algum dia.
---
Desejos... Acho que refreá-los só gera patologias --- Carlos disse mexendo com
a mão direita na nuca observando um mendigo que passava ao lado deles na
calçada --- Parece que quanto mais velhos ficamos mais patológicos nos
desenhamos --- Ao final completou lançando seus olhos ao de Carla --- Cicatrizes...
--- Mas é
aquela coisa. Tudo eu posso fazer, mas nem tudo me convém.
--- Também
concordo com você, pois são lados da mesma moeda --- Carlos pediu a conta
dizendo ao ar --- Você conclui as coisas com bastante facilidade...
Carla deu
uma risada daquele comentário.
--- Sou
prática, trabalho com Rh. Uso a lógica quando posso.
--- Mesmo
tendo dificuldades de memorizar fisionomias? --- Ele se lembrou do comentário
que ela fez no inicio da conversa ainda na frente do Sebo.
--- Verdade!
Tenho memória volátil e isso é um problema grave --- Ela falou quase
gargalhando --- Às vezes acham que sou mal educada.
--- Memória
ou personalidade com certo teor volátil? É um problema dependendo apenas da
perspectiva.
--- Mas
quem falou da personalidade? --- Perguntou Carla ainda rindo --- Minha personalidade
não é volátil, só a memória
que às vezes falha. Vai dizer que a sua memória nunca falhou e que nunca
esqueceu o nome e a fisionomia de alguém que conhecia?
--- Eu
tenho uma memória excelente, gosto de observar detalhes --- Carlos afirmou
sorrindo --- Eu só fiz uma perguntinha, Não afirmei. Acho que é bom ter alguma
presença de volatilidade na personalidade, senão fica muito rígido, não é?
--- Você
não tem cara de quem gosta de observar, mas sim de quem gosta de aprontar mesmo...
Devia ser arteiro quando criança --- Carla queria provocar e tirar afinal do
rapaz a informação que ela desde o início acreditava ser verdadeira, a de que
ele estava apenas com aquela conversa tentando ser sedutor --- Bom eu já sou
super distraída, acho que para a mulher isso ocorre por fases hormonais --- Risos
--- No meu caso é só ansiedade mesmo.
--- Para
aprontar com estilo é necessário ser um bom observador, não é mesmo? --- Ele
disse com expressão séria pegando a conta das mãos do garçom.
Ela
perguntou se queria ajuda para pagar, mas Carlos logo disse que tratava-se de
um convite dele e que da próxima vez ela teria o prazer de bancar.
Ao
solicitar a maquininha de débito completou com uma questão --- Você é ansiosa?
--- Eu,
ansiosa?! Um pouco, e dependendo da
situação acabo sendo ainda mais.
--- Memória
volátil, ansiosa e super distraída... Nossa!
--- Ai
credo... Já sabe todos meus defeitos --- Ela tapou os olhos e colocou a língua
pra fora fazendo careta.
--- E olha
que esses foram os que você falou --- O sorriso no canto da boca de Carlos já não
mais incomodava Carla.
--- Olha! Quer
dizer então que você já achou mais?
--- Será? Não
sou um observador que vai a busca dos defeitos dos meus “objetos” de pesquisa
--- Carlos tocou novamente na palavra objeto nitidamente com a pretensão de
provocar.
--- Sou
um objeto de pesquisa pra você? --- Fez a pergunta secamente.
--- Tudo o
que nos propomos a conhecer de certa forma é algo que estamos pesquisando... Você
não gosta muito dessa palavra, né? --- Carlos perguntou rindo.
--- Não
gosto mesmo --- Ela refletiu --- Hum, você está se propondo a me conhecer “de
certa forma”?!
--- Não
sei, estou? É meio subjetivo isso --- Carlos parecia dizer e responder as coisas
com dualidade nas afirmações.
--- Mas é você
que tem de saber.
--- Podemos
ver isso tudo de um ponto de vista mais filosófico --- Carlos respirou e disse
olhando nos olhos dela --- Sim, você é um objeto de pesquisa.
--- Você
é realmente bem profundo em suas colocações, mas não dá pra eu ser algo
diferente de objeto? --- Carla fez essa pergunta com uma expressão
insatisfatória.
--- Mas a
palavra objeto só é vulgarizada quando utilizada por pessoas que não a
instrumentalizam como sujeito de uma frase e sim como adjetivo --- Carlos dizia
gesticulando com as duas mãos --- Uma coisa é alguém dizer que você (sujeito) é
um objeto (adjetivo) simplesmente. E outra é alguém dizer que você é um objeto
(sujeito) que carrega algo (adjetivo), um objeto com qualidades, defeitos, etc,
etc, etc.
Que homem
culto pensou Carla --- Eu sei de tudo isso... Mas prefiro que você queira me
conhecer e ser meu amigo do que eu ser seu objeto de pesquisa --- Rindo
completou com um piscar de olhos --- Não é uma boa idéia?
--- E não é
isso que estamos fazendo?
--- Mas
gosto mais nesta linguagem.
--- Sem
dizer “objeto”?
--- é.
--- Já que
te incomoda tanto assim, não digo mais então.
--- Aí sim,
então fechou! Você é um garoto muito legal!
Nesse
momento Carlos parecia mais pensativo, mas continuou a conversa.
--- Legal,
culto, com cara de quem apronta... Agora foram também as coisas que você disse.
Aliás, tudo é o que você diz e como você quer --- Risos.
--- Sim,
sim --- Carla ficou um pouco desconcertada --- Foi o que eu descobri até
agora pelo menos.
--- Você
também é legal, inteligente... E tem uma carinha de quem apronta também ---
Carlos tentou provocá-la.
---
Obrigada! Eu sou bem bagunceira, faço amizade fácil, mas sou bem
tranqüila em relação a sair de balada e essas coisas... Neste sentido sou bem devagar
--- Sorriu e completou --- Mas você em compensação tem cara de baladeiro.
--- Como eu
tinha dito você tem uma facilidade enorme para tirar conclusões --- Carlos
gargalhou --- Eu também sou devagar para baladas e essa coisas... Gosto da
noite sim, mas não faço amigos facilmente, preciso pegar certa confiança antes
de dirigir um olhar, um cumprimento, um oi... Observar bastante.
--- Então
eu errei? --- Carla estava bem confortável com seu novo amigo --- Poxa ---
risos --- Quer dizer então que eu despertei certa confiança?
--- Não sei
se errou, não gosto de fazer propagandas --- Fez uma pausa --- Sim, uma menina
bem solicita e que carrega no olhar um brilho estranho despertando confiança...
Pelo menos de minha parte despertou... Ou posso estar enganado?
--- Brilho
estranho? Isso é bom? Não sei se pode estar enganado, mas acho que você tem de
descobrir com o tempo --- Ela sorriu --- Não vou fazer propaganda também.
--- Não sei
se é bom ou se é ruim --- Olhavam-se preguiçosamente --- Você disse para não
“pesquisar” você, como tirarei conclusões? Ainda por cima como eu, não fará
propagandas... Então ficamos num beco sem saída! --- A ironia era Carlos em
pessoa.
--- Como
você é complexo!
--- Eu?!
--- É
sim... Você gosta de pesquisar e eu acho isso formal demais pra usar com
pessoas --- Carla mexia continuamente nos cabelos.
--- É forma
de falar --- Carlos tocou a ponta do nariz --- Vício em ciências sociais ---
Pensou um instante e buscou uma maneira mais informal de explicar o que
representava aquele olhar --- Vamos lá... É um brilho estranho, não sei bem o
que ele é, o que ele tem... Ele meio que fala, expressa. Você é falante, mas
seus olhos dizem mais --- Olhando nos olhos de Carla perguntou --- Isso foi
formal?
--- Não foi
formal... Foi digamos interessante... Deixou-me sem graça
--- Não
precisa ficar sem graça, é uma impressão como a que você teve de eu ter cara de
quem apronta, como você mesma disse.
--- Mas poxa,
você tem mesmo cara de quem vai à balada e pega todas --- Ela provocava e era
sua vez de colocar um sorrisinho sarcástico no canto dos lábios vermelhos --- É
que eu sou assim mesmo, às vezes fico tímida quando o assunto sou eu, mas é
passageiro.
--- Preciso
mudar essa minha imagem --- Carlos não via fim na troca de idéias --- Você não
gosta de falar de você?
--- Às
vezes, mas fico meio sem graça --- Ela apoiou os dois cotovelos na mesa e
perguntou --- E você gosta de falar de si mesmo?
--- Como eu
disse, não faço propagandas --- Observou um casal de idosos que compravam Wanderléia
no balcão da padaria e continuou --- Mas respondo perguntas.
--- Interessante!
Primeira pergunta: quantos anos você tem?
--- Vinte e
cinco.
---
Imaginei isso mesmo --- Risos --- Tem cara de novinho.
--- E você?
Tem vinte e dois?
--- Não! Tenho
vinte e oito, faço vinte e nove agora em agosto.
--- E está
me chamando de novinho?
--- Sim ---
Carla gargalhou --- E não é?!
--- Estamos
falando de idade? --- Carlos não saía de sua postura irônica e observadora, mas
Carla estava bem tranqüila, não havia intimidação.
--- Até
onde eu sei sim, por quê? --- Risos --- Vou explicar: Homens em geral demoram
mais para demonstrar idade e às vezes também para amadurecer. Já uma mulher de quarenta
anos aparenta mais que um homem de quarenta.
Carlos não
entendeu muito bem a colocação.
--- Podemos
interpretar como experiência também, sei lá. Eu não ligo para idade... Comumente
gosto de amizades de pessoas mais velhas, não olho muito para características
físicas de um modo geral... Como disse, gosto de detalhes que me façam chamar
atenção num amigo, numa amiga, e tudo mais.
--- Ah, mas
eu nem pensei nisso, falei apenas, pois acho a faixa dos vinte e poucos anos
novinho... Eu também sou novinha e faço amizade com o pessoal mais velho em
geral --- Ela refletiu sobre seu noivo ser sete anos mais velho e não ter nem
um terço de discernimento de Carlos e que em duas horas mostrou-lhe muito mais
até do que seu pai, um senhor arquiteto que só sabia falar de números, medidas
e economia --- Na verdade as pessoas da minha idade me acham quadrada.
--- Quadradinha
--- Carlos brincou --- Você faz amizade com todo mundo né, essa é que é a
verdade, já deu pra perceber.
Seu dia
mudou, por mais que seu passado estivesse denegrido dentro de si, Carla estava
satisfeita. Com Carlos ali a sua frente se via numa posição de olhar as coisas
por outro prisma, por outras perspectivas, sem tanta dor. É lógico que não
sabia de onde ele vinha, que educação e instrução possuía, mas lhe transmitia
segurança e certas emoções sensoriais que nunca tivera antes com ninguém num
bate papo. E nem sequer havia dado um aperto de mão, um abraço, um beijo no
rosto dele. Sem tocar e apenas com idéias sentiu uma conexão bem diferente,
muito diferente do normal.
--- Respondi
sua primeira pergunta --- Carlos alimentava com questões simples que iriam com
certeza dar vazão a mais rumos na conversa, mais curiosidades e respostas --- Tem
mais? Olha que não é todo dia que abro para perguntas.
--- Tenho
sim --- Ela o olhou nos olhos ainda com os dois braços apoiados na mesa --- Por
que me chamou para tomar um café?
Ele não
pensou muito.
--- Chamei
porque você foi mal educada.
--- Não foi
por isso, minha má educação o afastaria e não o atrairia.
--- Chamei
porque você entrou na loja sem saber muito bem onde estava, andou pelos
corredores sem olhar direito pros livros e no fim veio até a minha pessoa pedir
auxilio para achar as obras da Jane Austen, uma autora que eu curto.
--- Mas o
que isso tudo que descreveu tem a ver? --- Carla estava realmente curiosa.
--- Eu a
observei, te achei bonita, atraente... E seu olhar descompromissado, aéreo me
chamou a atenção. É lógico que eu não iria até você, mas você veio até mim. E
pelo seu gosto literário achei que poderia fazer amizade. Sua rudez no início
foi só um muro que eu precisei pular e não foi muito difícil.
Ela se
encabulou. Tanta observação, perspectiva e discernimento despendido a ela por
alguém que nem perderia tempo reparando nas ruas em seu dia a dia. Mas tudo
casou, sua crise ganhou forma com Carlos, sentiu desgosto ao ver uma cesta de
flores e não mais desejou nada do que tinha, porém com toda aquela conversa ao
seu lado naquela tarde pôde melhorar bastante. Mas não melhorara simplesmente
por estar fugindo da realidade, mas sim por ter aberto os olhos e visto as
coisas com um pouco mais de clareza e percebendo que dependendo de quem fosse
--- E no caso Carlos --- Poderia sim sentir-se bem ao ser vista e comparada como
um objeto, um objeto com adjetivos, parafraseado por alguém desapegado de
mesquinharias classemedianas e com finesse em seus ditos. Um dono de Sebo
simplesmente.
--- Eu
preciso ir embora --- Carla disse impulsivamente --- Estou sentindo um pouco de
frio, saí de casa sem blusa.
--- Eu te
ofereceria a minha blusa, mas deixei lá no sebo. Você está com muita pressa?
--- Não, só
preciso sair desse vento, posso pegar um resfriado.
Já eram
seis da tarde e a noite que se desenhava realmente estava fria.
--- Então
vamos voltar na loja, eu pego minha blusa pra ti. O que acha?
--- Não
precisa Carlos, eu vou tranqüila.
--- Poxa,
está sendo ingrata agora --- Ele voltava a mostrar seu sorriso irônico que
confundia Carla --- Eu aceitei suas desculpas, não custa nada aceitar minha
blusa, eu sentiria profunda culpa ao saber que ficou dodói por negligência de
minha parte.
Ela pensou
com um sorriso e aceitou finalmente. Eles se levantaram da mesa e seguiram. Ela
então observou seu jeito de andar e de olhar as coisas enquanto se movimentava.
Algo nele era diferente e lhe prendia a atenção. No fundo sabia que Carlos
devia se tratar de um cara cheio de vícios e problemas como qualquer um, mas
que em contrapartida tinha um pé adolescente dentro da realidade, atirado,
intrometido e jeitoso... Filosófico. Nunca tinha conhecido alguém que
utilizasse metade das palavras que ele utilizou na conversa que tiveram na
padaria e que não fosse um nerd, um misantropo, estudante de direito ou um idiota
qualquer mesmo. Todo mundo que estudava ciências sociais ou nutria gosto por
esse tipo de literatura não lhe cheirava muito bem, pois em sua mente moldada
nas diretrizes e valores do liberalismo sensacionalista (TV, rádio e jornal),
onde tudo no fim seria crescer economicamente para usufruto da liberdade de
aquisição de bens, a fazia entender tudo de forma utilitária lapidada pelo
senso de caminhada existencial a passos largos em prol da felicidade e do bem
comum, livre de amarras e sem percepções maiores do que as que integravam os
próprios interesses.
Chegando ao
Sebo entraram pela portinhola da esquerda, estava escuro. Carlos alterou um
disjuntor e as luzes se acenderam. Ele foi ao fundo onde ficava o escritório e
Carla caminhou por entre um dos corredores.
--- Como um
garoto de vinte e cinco anos se tornou dono de um Sebo tão grande como esse?
--- Ela questionou em voz alta e expansiva.
--- Herança
de meu avô. Ele tem esse sebo desde a década de sessenta e ao morrer deixou
para eu cuidar --- Ele logo pegou a blusa e voltou lentamente por outro
corredor onde se localizavam os livros de geografia.
--- Ele
faleceu faz tempo? --- Carla encontrava-se no setor de livros infanto juvenis.
--- Têm uns
oito anos, e desde então eu cuido daqui. No começo meu pai me ajudava, mas logo
consegui caminhar com minhas próprias pernas.
---
Entendi. E você lê todos esses livros?
---
Sinceramente não. Tem muita coisa aqui que só está a venda por que a massa
absorve, como é o caso dos livros espíritas, autoajuda e Paulo Coelho.
--- E o que
você lê então? Já percebi que gosta de ciências sociais --- Ela pegou o pequeno
príncipe para folhear, leu-o quando estava na segunda série.
--- Eu leio
clássicos como Flaubert, Maquiavel, Schopenhauer, Burke, Sartre e vago um bocadinho
por antropologias e afins.
--- Hum,
Strauss?!
---
Principalmente Strauss, Villas Boas, Darci Ribeiro... Esses são os principais.
--- Você
tem a percepção do quão fora de contexto você se encontra? --- Carla nunca
tinha visto alguém tão novo e tão interessado em assuntos universais e ao mesmo
tempo com tanta facilidade para se comunicar com alguém como ela. Logo ela, que
se via tão a frente de muitas outras, linda, inteligente, formada... E ele não
tinha medo, não era como os outros que só elogiavam e a queriam por perto como
um simples bibelô.
--- Como
assim Carla?
--- Ah,
tipo, todo mundo querendo ser rico, ter posses, adquirir bens e ser feliz com o
mínimo de esforço possível, e você aqui nesse lugar antigo, lendo livros que quase
ninguém lê.
--- Sim,
tenho essa percepção. Mas será que sou eu o desenquadrado realmente? --- Sua
voz era irônica, provocadora.
--- Como
assim?
--- Será
que eu que estou fora de contexto ou quem está nessa vibe que você citou é que
se perde diante toda a imensidão do mundo, cada vez mais transformado,
burocrático e resumido?
--- Vendo
por esse lado eu concordo. Mas você entende que de primeiro momento você é
estranho?
--- Claro
que concordo, e nem luto contra isso. Não fujo da estranheza que posso causar
nas pessoas como também não me entrego à estranheza que os outros me causam num
primeiro momento.
--- E o que
sobra? --- No momento em que ela fez essa última pergunta ele apareceu em seu
corredor. Andando lentamente e a olhando nos olhos se aproximou.
--- Sobra a
gente --- Ele sussurrou --- Sobra isso que estamos fazendo aqui. Idéias
trocadas, paradigmas revistos, angústias renovadas e prazeres impulsivos.
Ela se
espantou de repente com ele a sua frente, cara a cara... Não esperava por aquilo.
Até então, mesmo irônico e sarcástico fora educado e formal, agora dissera
coisas que por razões emotivas não conseguira entender direito. Ela baixou a
cabeça, mexeu com seu tênis Puma direito no esquerdo, tentou olhá-lo novamente,
mas encontrou dificuldade.
--- E pra
você, o que sobra? --- Carlos perguntou sem se mexer com as duas mãos juntas
atrás do corpo fixo.
--- Como
assim o que sobra?
--- O que
sobra? Simplesmente isso.
Carla
titubeou, mexeu num livro, folheou outro rapidamente.
--- Pegou a
blusa? --- Enfim ela questionou tentando sair daquele mal jeito em que se
encontrou.
--- Sim
peguei, mas só a entrego se me responder.
--- Sei lá
Carlos. Sobra esse sebo aqui onde você trabalha, ou melhor, que você é dono e
administra. Sobra uma experiência depois de nos tornarmos amiguinhos. Só isso
--- Carla não conseguia esconder seu nervosismo.
---
Entendi, era só sua resposta que eu precisava --- Carlos entregou sua blusa nas
mãos de Carla e saiu andando lentamente.
Desconcertada
e confusa ela vestiu-a e seguiu junto dele até a porta para que pudessem se despedir
e irem embora. Nesse momento ela disse para ele anotar o celular dela, porém Carlos
tirou do bolso de sua calça um cartão onde se encontravam seu telefone e seu
e-mail e disse que caso quisesse devolver a blusa era só entrar em contato ou
ir até a loja. Obviamente que num instinto de preservação ela pensou em nunca
mais vê-lo, que aquilo já tinha sido algo bem fora do comum e pediria a alguém que
entregasse a blusa a ele.
Carlos
abriu a porta e acenou cordialmente para que a moça saísse primeiro. Ao colocar
o pé direito para fora Carla repentinamente sentiu um tranco em seu corpo que
estava sendo puxado vorazmente pela mão direita de Carlos. Ela piscou e quando
abriu os olhos estava de frente com ele, olho no olho, boca na boca, quase
encostados... A respiração ofegante do rapaz a fez arrepiar inteira, a
adrenalina tomava conta de seu corpo. Carlos fechou a porta com a mão esquerda
e a encostou com força na parede ao lado da primeira estante e a beijou. Carla
tentou oferecer resistência, mas a força com que segurou ela pelos braços a fez
desistir e se entregar.
Beijaram-se
de uma forma estranha, com força despudorada, ele passava as mãos por suas
costas e ela ainda tinha os braços um tanto sem saber o que fazer. Carlos a
pegou pelos cabelos e beijou seu pescoço, lambeu molhadamente sua orelha. Ao
sentir o puxão em seus cabelos Carla foi à outra dimensão, seu corpo começou a
suar e tremer compulsivamente.
Carlos
tirou a blusa que havia lhe emprestado, os dois se entreolharam com olhos
sedentos. Respiravam profundamente, e era perceptível a ação de seus pulmões
que trabalhavam a todo vapor como se estivem correndo.
Carla o
puxou --- Seu louco! O que você acha que eu sou? --- ele a segurou com força na
cintura a virando de costas e contra a parede, mordendo sua nuca.
---
Gostosa! Você é minha gostosa!
Carla
sentiu-se molhar, os dedos de Carlos começavam a vagar pelo seu corpo e sua
barriga enquanto ela o segurava na cabeça, tremendo e gemendo suavemente. O
botão de sua calça foi desprendido com a facilidade com que se abria um livro e
Carlos aprofundou-se em sua exploração. Ao encontrar aquele líquido molhando
seus dedos da mão direita então a puxou pelo cabelo com a mão esquerda trazendo
seu rosto até o ponto em que pudesse visualizá-lo. Olharam-se e a expressão de
Carla era nitidamente de prazer assustado, olhava para Carlos como uma figura
mítica, excêntrica, pecadora.
Ele
sussurrou em seu ouvido --- Minha atenção, minhas palavras e meus toques mais
sutis são a poesia --- Disse isso alisando suas costas, massageando seu pescoço
e de repente puxou seus cabelos com tal força dizendo em voz baixa --- E isso é
minha revolta, minha tragédia, minha filosofia mais vil.
Ela tentou
se desprender, demorou um pouco até que conseguiu --- Quem é você afinal hein
garoto?
Mordendo os
lábios e andando lentamente em sua direção disse --- Sou seu pior pesadelo e a
sua melhor escolha.
Ela o
esperou... Novamente se abraçaram e Carlos a colocou lentamente no chão. Tirou sua
roupa com extrema delicadeza e ao despir a última peça com olhos realmente
safados passou a língua por cada parte de seu corpo, ora com força, ora suave
se conectando misteriosamente com as partes mais sensíveis daquelas curvas
brancas que se arrepiavam. Carla não sabia se fechava os olhos ou se observava
a ação louca daquele rapaz insano, que se transformara de um mar profundo de
sabedoria da padaria em um lobo instintivo e fugaz dentro daquele
estabelecimento com livros antigos.
Ela não
aguentava mais, precisava urgentemente ser penetrada pelos membros eretos de
Carlos. Então após desvencilhar-se de seu controle masculino da situação ela o acariciou e lambeu o quanto pôde até o limite de seu desejo que
clamava por penetração, não sustentava mais seu corpo ardente.
Ao fim ela
acordou na segunda feira às onze horas da manhã atrasada para o trabalho, decidiu
não ir.
Na sala
observou em cima da mesa um livro de aforismos que Carlos havia lhe emprestado
do filósofo Arthur Schopenhauer.
Folheou e na
primeira página estava escrito:
“O desejo tem
duas formas de te humilhar. Uma é você não realizar ele nunca e outra é deixar
que você o realize”
Ela saiu na
sacada, o dia estava frio. Mas sentia sua vida muito mais profunda e visceral
do que quando no sábado olhou para as flores de seu ex noivo.
Fernando Ribeiro (Sinnentleerten)
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