Como deve ter sido para cada pensador o momento em que
decidiram pensar? Sabe aquele momento, aquele contexto, aquela situação em que
caímos “na real”? Então... Como deve ter sido para Platão, Pirro, Diógenes,
Erasmo, Descartes, Flaubert, Balzac, Nietszche, entre outros pensadores tão
presentes nas estantes de nossas salas e bibliotecas o exato momento em que
rolou a catarse, a epifania perante a vida, onde perceberam que as coisas não
eram tão coloridas como pareciam, ou como os contos e os costumes tentavam
fazer parecer?
A princípio achamos tudo lindo, nos damos bem com a
realidade, a partir do momento em que somos jovens e temos controle sobre
nossos corpos, nossas vontades, nossas liberdades. Porque afinal, a “liberdade”
quando somos jovens é relativamente simples; é ir daqui ali, de lá pra cá,
satisfazer necessidades primárias como comer e beber e por fim se entregar a
convivência social a qual se está inserido... Mas depois, quando passamos por
um processo traumático de perda, ou por um processo trágico onde percebemos
nossa finitude material e corpórea dentro da existência, as coisas começam a tomar tonalidades bem diferentes e distantes as quais pintávamos quando mais
novos... certo?
A filosofia nasceu disso, de perdas e traumas, rancores e sentimentos escuros que fizeram os pensadores refletir a respeito das razões
as quais nossas vidas estavam expostas a tantos infortúnios e perdas, e que
algum problema em nossa psique fazia com que, em nossas fases juvenis, não
nos fosse possível enxergar que tudo no plano do "concreto" é um pouquinho mais complexo do
que vem a parecer nos primeiros anos de nossa aventura na Terra.
Se chegarmos para um velho e perguntarmos qual seria seu
maior desejo na vida, não raramente encontraríamos a resposta: “Desejo ser
jovem com a mesma experiência e visão de mundo que tenho hoje”.
Ou seja, o velho ao dizer isso nos imprime a ideia de que
existe um conflito grande na natureza humana, onde quando somos jovens não
sabemos quase nada, e quando sabemos quase tudo já estamos velhos. Dessa forma fica claro
que a natureza de maneira quase perversa tenta nos iludir quando somos
adolescentes com a sensação de que obtemos a posse de nossos corpos, que temos
o controle perante nossos atos e pensamentos, opiniões, imaginações, devaneios,
etc.. E no caminhar da vida essa mesma natureza vai tirando aos poucos algumas
vendas de nossos olhos e nos apontando que no fundo não somos donos de nada,
que na realidade somos escravos apenas dela mesma, a natureza.
A natureza que nos criou é a mesma natureza que nos espera para o cortejo fúnebre...
A natureza indica com uma simples gripe, um câncer maligno, uma tragédia, um
incidente, que somos frágeis demais, que no avançar de nossos anos vamos envelhecendo e ela é para nossas mentes febris e amedrontadas uma força
nos pressionando, nos enrugando, nos adoecendo; deixa explícito que se tem alguém
sob algum controle das situações, é apenas ela, a natureza... A natureza mantém
um controle infame sobre nossas existências, e só percebemos isso quase que
tardiamente em tenra idade...
Esse fato, acredito ser o ponto crucial que faz um ser
humano querer filosofar, querer pensar mais a respeito da vida... O conflito
existencial de onde se gera toda a literatura, toda arte, toda a religião que o
homem foi capaz de expressar ao longo das eras como que tentando imprimir no
tempo e no espaço de forma desesperadora um dizer, um símbolo, um rabisco a
respeito do que vem a ser a sensação de estar vivo, ou de estar preso dentro de
uma cela chamada “vida”.
O que é estar vivo? O que exatamente estar vivo representa
para o ser humano?
Muitos que se deparam com a percepção filosófica de que a morte é algo
presente nas mais ínfimas coisas do meio ambiente, observando biologicamente o
tamanho da nossa fragilidade diante do mundo, podem dizer coisas bem amplas e
complexas a respeito do fenômeno estreito que é viver pensando nos limites da existência.
Arthur Schopenhauer chegou a escrever coisas sinalizando como evitar o sofrimento avassalador de estar vivo em condutas de renúncia na convivência com os outros dentro do cotidiano; Emil Cioran expressava num de seus títulos a respeito do infortúnio de se estar vivo, descrevendo a vida humana como um acidente da matéria... Alguns outros perceberam que a vida fica menos densa e pesada se procurarmos por mais justiça e igualdade entre as pessoas, outros dizem que a tragédia da vida precisa ser aceita, até amada. Mas nenhum deles foge do assunto, que é o de se estar vivo e isso ser um objeto profundo de análises; vastas e complexas análises...
Arthur Schopenhauer chegou a escrever coisas sinalizando como evitar o sofrimento avassalador de estar vivo em condutas de renúncia na convivência com os outros dentro do cotidiano; Emil Cioran expressava num de seus títulos a respeito do infortúnio de se estar vivo, descrevendo a vida humana como um acidente da matéria... Alguns outros perceberam que a vida fica menos densa e pesada se procurarmos por mais justiça e igualdade entre as pessoas, outros dizem que a tragédia da vida precisa ser aceita, até amada. Mas nenhum deles foge do assunto, que é o de se estar vivo e isso ser um objeto profundo de análises; vastas e complexas análises...
Para algumas pessoas mais espiritualizadas estar vivo é a oportunidade de poder emanar o tempo todo, estar sempre aceso e energizado, ser pró ativo, pensar positivo de que
a vida é simplesmente linda e que boas coisas estão sempre por vir. Mas é necessário sermos sinceros de que são posicionamentos aparentemente ingênuos em alguns aspectos, pois não
levam em conta alguns fatores racionais e poéticos a respeito da nossa real
condição humana em relação ao universo. Não levam em conta a nossa sensação de abandono em
um mundo que, as vezes docemente, ou as vezes acidamente, nos cala, parece não
nos ouvir, se impondo como algo vasto mas vazio de sentido as nossas mentes de maneira
gélida.
Charles Darwin nos posicionou no mundo com sua ciência a respeito da gênese evolucionista e ancestralidade do ser humano como consequência das próprias imperfeições sistemáticas observáveis na natureza, que coloca os seres vivos em constante competição contingente pela
sobrevivência. Isaac Newton nos clareou com sua ciência mecânica a respeito das
leis de movimentos, gravitações e corpos materiais, mostrando que nem tudo pode ser
colocado sob a ótica mística da realidade.
Dessa forma, talvez acordar para questões profundas da vida
na Terra não tenha sido algo muito agradável para nenhum pensador. Nenhum
filósofo, cientista, poeta, teólogo, foi enfim verdadeiramente aprazerado pela
absorção da situação caótica de ter de lidar em determinado momento com
questões a respeito da subjetividade do homem diante de uma atormentadora
natureza que parece o querer diminuir enquanto o ilude sobre a sua real circunstância.
Se não houver algo mágico na existência como querem fazer pensar alguns ateus, nossa vida balizada nas perspectivas científica e filosófica parece fadada ao vácuo, ao niilismo, a ausência de qualquer sentido perante a meios e finalidades das "leis naturais" tão discutidas entre racionalistas e idealistas focados em classificações conceituais de "causas e efeitos"...
A Mãe Natureza se apresenta sob uma ótica tenebrosa os alguns seres humanos que em determinado momento "acordaram" para a vida... no fundo todo pensamento tem um pouco de medo embutido nos raciocínios, e filosofar nossa existência é um caminho sem volta..
Fernando Ribeiro
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