sexta-feira, 13 de março de 2015

Epifanias e Catarses

Como deve ter sido para cada pensador o momento em que decidiram pensar? Sabe aquele momento, aquele contexto, aquela situação em que caímos “na real”? Então... Como deve ter sido para Platão, Pirro, Diógenes, Erasmo, Descartes, Flaubert, Balzac, Nietszche, entre outros pensadores tão presentes nas estantes de nossas salas e bibliotecas o exato momento em que rolou a catarse, a epifania perante a vida, onde perceberam que as coisas não eram tão coloridas como pareciam, ou como os contos e os costumes tentavam fazer parecer?

A princípio achamos tudo lindo, nos damos bem com a realidade, a partir do momento em que somos jovens e temos controle sobre nossos corpos, nossas vontades, nossas liberdades. Porque afinal, a “liberdade” quando somos jovens é relativamente simples; é ir daqui ali, de lá pra cá, satisfazer necessidades primárias como comer e beber e por fim se entregar a convivência social a qual se está inserido... Mas depois, quando passamos por um processo traumático de perda, ou por um processo trágico onde percebemos nossa finitude material e corpórea dentro da existência, as coisas começam a tomar tonalidades bem diferentes e distantes as quais pintávamos quando mais novos... certo?

A filosofia nasceu disso, de perdas e traumas, rancores e sentimentos escuros que fizeram os pensadores refletir a respeito das razões as quais nossas vidas estavam expostas a tantos infortúnios e perdas, e que algum problema em nossa psique fazia com que, em nossas fases juvenis, não nos fosse possível enxergar que tudo no plano do "concreto" é um pouquinho mais complexo do que vem a parecer nos primeiros anos de nossa aventura na Terra.

Se chegarmos para um velho e perguntarmos qual seria seu maior desejo na vida, não raramente encontraríamos a resposta: “Desejo ser jovem com a mesma experiência e visão de mundo que tenho hoje”.

Ou seja, o velho ao dizer isso nos imprime a ideia de que existe um conflito grande na natureza humana, onde quando somos jovens não sabemos quase nada, e quando sabemos quase tudo já estamos velhos. Dessa forma fica claro que a natureza de maneira quase perversa tenta nos iludir quando somos adolescentes com a sensação de que obtemos a posse de nossos corpos, que temos o controle perante nossos atos e pensamentos, opiniões, imaginações, devaneios, etc.. E no caminhar da vida essa mesma natureza vai tirando aos poucos algumas vendas de nossos olhos e nos apontando que no fundo não somos donos de nada, que na realidade somos escravos apenas dela mesma, a natureza.

A natureza que nos criou é a mesma natureza que nos espera para o cortejo fúnebre...

A natureza indica com uma simples gripe, um câncer maligno, uma tragédia, um incidente, que somos frágeis demais, que no avançar de nossos anos vamos envelhecendo e ela é para nossas mentes febris e amedrontadas uma força nos pressionando, nos enrugando, nos adoecendo; deixa explícito que se tem alguém sob algum controle das situações, é apenas ela, a natureza... A natureza mantém um controle infame sobre nossas existências, e só percebemos isso quase que tardiamente em tenra idade...

Esse fato, acredito ser o ponto crucial que faz um ser humano querer filosofar, querer pensar mais a respeito da vida... O conflito existencial de onde se gera toda a literatura, toda arte, toda a religião que o homem foi capaz de expressar ao longo das eras como que tentando imprimir no tempo e no espaço de forma desesperadora um dizer, um símbolo, um rabisco a respeito do que vem a ser a sensação de estar vivo, ou de estar preso dentro de uma cela chamada “vida”.

O que é estar vivo? O que exatamente estar vivo representa para o ser humano?

Muitos que se deparam com a percepção filosófica de que a morte é algo presente nas mais ínfimas coisas do meio ambiente, observando biologicamente o tamanho da nossa fragilidade diante do mundo, podem dizer coisas bem amplas e complexas a respeito do fenômeno estreito que é viver pensando nos limites da existência.
Arthur Schopenhauer chegou a escrever coisas sinalizando como evitar o sofrimento avassalador de estar vivo em condutas de renúncia na convivência com os outros dentro do cotidiano; Emil Cioran expressava num de seus títulos a respeito do infortúnio de se estar vivo, descrevendo a vida humana como um acidente da matéria... Alguns outros perceberam que a vida fica menos densa e pesada se procurarmos por mais justiça e igualdade entre as pessoas, outros dizem que a tragédia da vida precisa ser aceita, até amada. Mas nenhum deles foge do assunto, que é o de se estar vivo e isso ser um objeto profundo de análises; vastas e complexas análises...

Para algumas pessoas mais espiritualizadas estar vivo é a oportunidade de poder emanar o tempo todo, estar sempre aceso e energizado, ser pró ativo, pensar positivo de que a vida é simplesmente linda e que boas coisas estão sempre por vir. Mas é necessário sermos sinceros de que são posicionamentos aparentemente ingênuos em alguns aspectos, pois não levam em conta alguns fatores racionais e poéticos a respeito da nossa real condição humana em relação ao universo. Não levam em conta a nossa sensação de abandono em um mundo que, as vezes docemente, ou as vezes acidamente, nos cala, parece não nos ouvir, se impondo como algo vasto mas vazio de sentido as nossas mentes de maneira gélida.

Charles Darwin nos posicionou no mundo com sua ciência a respeito da gênese evolucionista e ancestralidade do ser humano como consequência das próprias imperfeições sistemáticas observáveis na natureza, que coloca os seres vivos em constante competição contingente pela sobrevivência. Isaac Newton nos clareou com sua ciência mecânica a respeito das leis de movimentos, gravitações e corpos materiais, mostrando que nem tudo pode ser colocado sob a ótica mística da realidade.

Dessa forma, talvez acordar para questões profundas da vida na Terra não tenha sido algo muito agradável para nenhum pensador. Nenhum filósofo, cientista, poeta, teólogo, foi enfim verdadeiramente aprazerado pela absorção da situação caótica de ter de lidar em determinado momento com questões a respeito da subjetividade do homem diante de uma atormentadora natureza que parece o querer diminuir enquanto o ilude sobre a sua real circunstância.

Se não houver algo mágico na existência como querem fazer pensar alguns ateus, nossa vida balizada nas perspectivas científica e filosófica parece fadada ao vácuo, ao niilismo, a ausência de qualquer sentido perante a meios e finalidades das "leis naturais" tão discutidas entre racionalistas e idealistas focados em classificações conceituais de "causas e efeitos"...

A Mãe Natureza se apresenta sob uma ótica tenebrosa os alguns seres humanos que em determinado momento "acordaram" para a vida... no fundo todo pensamento tem um pouco de medo embutido nos raciocínios, e filosofar nossa existência é um caminho sem volta..

   E aí, você se assusta com ela? rs


Fernando Ribeiro

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