terça-feira, 22 de abril de 2014

O filho a ser amado

Muitos pais que conheço e que são adeptos dos exercícios intelectuais filosóficos falam sobre o amor perante o filho de maneira reducionista as vezes.
Reducionista no sentido de colocar esse pensamento no meio de um viés pessoal, com alta carga afetiva no sentido social ao qual estão inseridos.
Parecem estar segurados mais aos dramas do relacionamento homem/mulher que por fim gerou o filho do que exatamente a significância do filho por si só.
Em discussões de bar, emails (nossas famosas sociologias de boteco rs) os argumentos são muitos. Falam sobre o amor paternal como uma imposição da sociedade, das normas, como uma castração que enfoca no filho uma esperança de continuidade de nossos valores.
Eu por estar mais trancafiado a teologia e ao existencialismo acabo levando esse tipo de reflexão para um lado mais antropológico.


Uma obra bacana para se olhar esse tipo de questão é "Totem e Tabu" de Sigmund Freud.
Em suas pesquisas, ele aponta que em nossas primeiras tribos e sociedades tínhamos pais que olhavam os filhos como competidores em potencial e que impunham restrições a prole contra o incesto não só pela proibição por si só, mas principalmente pelo fato do pai querer ter o poder absoluto sobre todas a fêmeas e manter intactas todas as regalias concedidas a ele.

Expulsar e obrigar os filhos homens a procurar sua turma era uma constante. Algo muito próximo da análise Darwiniana sobre a relação dos gorilas, e que se estendeu as primeiras sociedade Totêmicas onde um pai ciumento, que conserva todas as fêmeas para si e expulsam os filhos quando crescem, até que em determinado momento tais filhos se rebelam contra o pai e o matam, criando-se assim o que Freud cunhara de complexo de Édipo. 
Um complexo que teve seu início de uma maneira obscura e trágica a nossa concepção contemporânea, mas que ao longo da história foi perdendo sua primitividade básica analisada pelo pai da psicanálise, e que nos últimos séculos se delineou dentro das sociedades burguesas e seus dramas familiares.

Desse fenômeno de parricídio do qual Freud argumentara nascem as primeiras utopias humanas (roots!), e que quando colocadas em prática encontram os primeiros problemas dos quais são muito importantes para o nosso desenvolvimento moral. Os filhos que matam o pai guardam no inconsciente a imagem do velho, suas características como líder se sobrepõem a personalidade dos garotos que começam a brigar entre si por todos desejarem liderar o bando ao mesmo tempo.
Alguns autores discordam quanto aos conflitos dizendo que após a morte do pai e sua tirania a mãe tece sua delicadeza feminina e trás paz as mentes febris dos meninos. Mas para Freud acontece o contrário.
Os garotos não concordavam com a regras do pai, mas sem ele as mentes não encontram um novo modelo para o novo cenário e acabam se baseando nas "condutas paternas" para manterem as rédeas sociais de suas tribos. Ou seja, desintegram o antigo chefe da sociedade, mas a imagem e semelhança se mantém, se tornando depois um Totem no conjunto de significado e representações dos clãs que se formam nas árvores genealógicas.   
Após brigas que com certezas geraram desgastes emocionais e físicos, os garotos dessas tais sociedades devem ter entrado num acordo de regras para que sem o pai a tribo pudesse se manter sem que a monotirania se sobrepusesse.

Não mataram o pai simplesmente pelo fato de odiarem, mataram pela necessidade de mudança que reside em nossos corpos e mentes quase que fisiológicamente quando estamos expostos a castrações deliberadas, egoístas advindas de alguém próximo que detém o poder de alguma forma e que acaba por nos aprisionar gerando a necessidade da rebelião.

Dessa maneira surgiram as primeiras regras sociais e morais entre indivíduos da mesma família. Quando os filhos entraram num acordo e as regras do pai tomaram outras proporções mais amplas sem perder a essência que buscava... a finalidade antes de tudo era manter a ordem e evitar o assassinato de membros do mesmo clã e a proibição do incesto. A religião tem seus primeiros indícios ali, nesse contexto. E todas a religiões posteriores parecem releituras e novas faces desse nascimento da tragédia.

Pois bem, assim explicado, penso que o homem cresceu e aprendeu a comer de garfo e faca. Nossas regras hoje se tornaram constituições e nossos filhos já não saem matando os pais com tanta frequência.
Aprendemos a amar, a fazer poesia em cima das nossas próprias cicatrizes genealógicas. E através de nossas marcas inconsciente do passado já não se faz tão necessário impor regras contra o incesto e o assassinato de semelhantes, pois é um traço que se impôs biologicamente em nós, e que se porventura saímos dessa corrente torna-se algo a ser tratado ou analisado caso a caso.

O amor de pai e filho contemporâneo, se não estiver caído a condição infantil de ciúmes (pois meu texto é mais amplo do que uma perspectiva de "pais que não se veem pais"), não acho que seja algo a ser avaliado como um axioma, mas sim como consequência de fatores que advém do próprio interior moral e também ancestral do homem. Pois o amor paternal nasce das renúncias morais e fisiológicas perante o outro, e quando isso acontece o primeiro sintoma de que existe a gratuidade da relação é o instinto de proteção. Ao contrário do que antigamente o chefe da tribo sentia, nós hoje não queremos que os filhos vão embora tão cedo de casa e estamos a todo tempo preocupados com seu bem estar. E dessa maneira nos colocar frente aos seus dramas, nos jogar em frente a tratores, seus monstros e seus pesadelos denota que a culpa pelo complexo de Édipo ancestral e nosso próprio dos quais vivemos na infância traça um marco em nossa personalidade, a culpa inconsciente que gera o amor e expressão de cuidado que temos com nossos filhos.

A culpa não precisa tomar um ar pejorativo como muitos tendem a expressar, pois não é algo que você simplesmente se livra ao tomar consciência, mas que existe independentemente...

Sigmund Freud
Por isso, não acho que a modernidade tem tanta influência nessa relação. Se tem é com movimentos que nos deram mais possibilidade de reflexão, como por exemplo os hippies e os punks no século passado que deram através de sua arte e cultura bastante base para que pudéssemos nos olhar e analisar nossa condição humana com mais profundidade. Mas essas substâncias morais intrínsecas que se moveram e se lapidaram psicologicamente vem de muito antes. Elas fazem moradas em cada homem e mulher que na Terra habita, e temos sempre a oportunidade de na árvore genealógica da vida dar nossas próprias pinceladas, participar ativamente como os filhos dos tiranos das tribos do passado. Mas hoje com mais liberdade para sentir e menos obrigação a raciocinar e ressentir os afetos... 

Amar os filhos é no meu ver a obrigação que nos é imposta pela história, pelas tradições, pelas forças e símbolos que nos foram passadas através da evolução... Algo que seja diferente disso me soa como ruptura, como fraqueza do homem que não se compromissa com a humanidade e que reduz sem se dar conta que a história é mais antiga do que duzentos anos de Marxismo e teorias econômicas.

Freud é um mestre para certas questões.



Fernando Sinnentleerten


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